Gilka Machado
Quando não tarda
O Sol a despontar,
pelas de inverno
lívidas manhãs,
a Natureza, ao olhar,
parece toda agasalhada
em lãs
Manhãs serenas
e cristalinas
essas, que ficam,
horas inteiras,
no afã contínuo
das rendeiras,
tecendo a renda
fluída das neblinas
Manhãs de tédio
e de preguiça,
em que até mesmo
o Sol custa a acordar,
e o corpo pede leito,
e o deseja, e o cobiça;
manhãs que não são mais
do que noites de luar
Manhãs de paina,
em que a alma se reclina
como sobre um frouxel
nivoso e largo,
e em que há no céu
e na campina
o mesmo pronunciado
e invencível letargo
Andam anjos,
por certo asas,
ruflando pelas manhãs
de brumas, porque
tombam do céu,
de quando em quando,
crespas, estéreas plumas
O inverno a Natureza
revirgina, e quando
surge o Sol,
no início do verão,
a terra tem pudores
de menina, palpitante
de amor à solar sensação
Faz-se na natureza
um lírico noivado;
flores de laranjeira
e 'níveos véus nupciais,
traja a Terra, a esperar
que o noivo amado
venha, afinal,
lhe dar o beijo
de esponsais
O verão principia,
porém, nas coisas,
inda o inverno atua;
é dia, mas no céu
que livor, que sombria
expressão,
que macios tons de Lua!
Esta linda manhã,
tão veludosa quão fria,
a desabrochar o alvo seio,
de leve, tem o mesmo
abandono, a mesma
lentidão de uma camélia
a abrir das pétalas a neve
Toda a paisagem
é muito lânguida e fria,
há neve no arvoredo,
há neve sobre a alfombra,
com asas brancas,
a Melancolia
a Natureza ensombra
Da estrada sobre
o longo e amplo
espreguiçamento
à feila fluída da garoa,
o fantasma do Tédio,
amarelo, nevoento,
anda vagando, à toa...
Plena desolação,
pleno aniquilamento,
Tédio, somente e Tédio
a erma estrava povoa
O meu olhar
nesta paisagem sente
qualquer coisa de unção,
qualquer coisa emoliente...
O céu parece todo de penas
Asas de névoa
passam lentamente...
Nas árvores,
que estão impassíveis,
serenas,
-braços abertos
para a amplitude,
- olhos postos na altura,
há uma esperança frouxa,
indecisa, indolente,
de quem, por padecer
há muito doente,
inda dúvidas põe
na próxima ventura
E dentro da manhã
dubiamente tristonha,
das árvores a atitude
é a mesma extática
atitude de quem sonha
É dia, mas a luz
não tem calor nem raios;
onde a alegria da Natureza?
A paisagem é toda
de desmaios,
de cores e de névoas
de incerteza
É dia,
mas a estrada está vazia
e nem uma ave
o espaço corta;
o verão principia
e a Terra está
como que morta
É dia,
mas o céu é bruma,
lado a lado,
e, persistindo
num amoroso disfarce,
o Sol,
nas névoas embuçado,
continua a ocultar-se
Pelas árvores que ânsia!
Como as frondes
olham tristes a distância!
Toda de branco
para o noivado,
a paisagem inda espera:
tarde a festa
nupcial da primavera
e tarda o Sol -
o noivo desejado
Num derradeiro arranco
de paixão virgem,
luminosa, imensa,
num sonho branco...
Branco...Branco...
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