Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Amor Em Esplendor

Oriza Martins

Fantáticos momentos que juntos passamos
plenos de promessas que juntos juramos
ricos de ternura, prazer e emoção...
Suspiros intensos, olhares calientes
afogos, abraços e beijos, ardentes
momentos dourados como o sol de verão.

A brisa que sopra ao entardecer
que as otros um pouco de frio vem trazer,
em nós reacende o desejo, o fervor...
Não existe clim que apague esta chama
que a nós incendeia, acende, inflama,
pois o amor... é puro esplendor!

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Quem, Além de Você?

Leoni

Foi só um sorriso e foi por amor
Nenhuma ironia, não foi por mal
Foi quase uma senha pra te tocar
Nem foi um sorriso, foi um sinal

Por trás das palavras, da raiva de tudo
Sorri pra tentar chegar em você
Foi como fugir pra nos proteger
Enquanto eu sorrir ainda posso esquecer
Porque

Quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?

Ninguém tem razão, tenta me entender
E a gente é maior que qualquer razão
Foi só um sorriso e foi por amor
Te juro do fundo do coração

Foi como tentar parar esse trem
Com flores no trilho e acenar pra você
Parece absurdo, eu sei, mas tentei
Enquanto eu sorrir ainda posso esquecer

Quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?

Deixa isso passar, e quando passar
Vou estar aqui te esperando
Pra te receber
E sorrir feliz dessa vez
Que esse amor é tanto

Quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Se Eu Pudesse Te Encontrar

Claudete Lopes

Se eu pudesse te encontrar
No universo que foi projetado
Eu queria te dizer
Que você é tudo de um todo
É todo o meu bem-querer.

E no cais de um porto iluminado
Você é o sol, o céu e o cenário
No espetáculo do amanhecer
É a maravilha da estrela que brilha
Pra lua nova que vai nascer.

É no arco-íris, todas as cores
A mais bela obra da arquitetura
É a cobiça de muitos amores
Na paixão insana,
É o remédio que cura.

É o lírio, o delírio, os sonhos e o ato
Naquele jardim encantado
É o conto de fadas, a lenda e o fato
Nos versos do meu cordel pendurado.

É o ponto de encontro no meio do laço
E o presente abraço que um dia te dei
É o plano futuro, onde eu me embaraço
Por causa do beijo que nunca ganhei.

Nas notas sol, ré, dos acordes perdidos
É o eco dos sons que vem do passado
E na minha história e lirismo
É a melodia dos cânticos entoados.

É o preto no branco, os quais se misturam
Na química que, explode no ar
É o fogo abrasado que ainda perdura
Na imensa vontade de te encontrar.

Seria no mundo meu maior encontro
Daria a ele um infinito valor
Faria ser, porém, com encanto
Como encontro de primeiro amor.

Mas se não queres me encontrar
Nada mais posso fazer
Não quero mais sonhos e nem fantasias
Quero a real razão do viver

terça-feira, 24 de abril de 2012

Seus Olhos

Almeida Garret

Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou -
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.

Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Antes Que Marque Meia-Noite

Charles Chaplin

Hoje levantei cedo pensando no que tenho a fazer
antes que o relógio marque meia noite.
É minha função escolher que tipo de dia vou ter hoje.

Posso reclamar porque está chovendo
ou agradecer às águas por lavarem a poluição.
Posso ficar triste por não ter dinheiro
ou me sentir encorajadopara administrar minhas finanças,
evitando o desperdício.

Posso reclamar sobre minha saúde
ou dar graças por estar vivo.
Posso me queixar dos meus pais
por não terem me dado tudo o que eu queria
ou posso ser grato por ter nascido.
Posso reclamar por ter que ir trabalhar
ou agradecer por ter trabalho.
Posso sentir tédio com o trabalho doméstico
ou agradecer a Deus.

Posso lamentar decepções com amigos
ou me entusiasmar com a possibilidade de fazer novas amizades.
Se as coisas não saíram como planejei
posso ficar feliz por ter hoje para recomeçar.

O dia está na minha frente esperando para ser o que eu quiser.
E aqui estou eu, o escultor que pode dar forma.
Tudo depende só de mim.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Cidade De Ouro ( Loppiano )

Mário Callegaro

Despontou na colina
a cidade de ouro
Cada um que ali vinha
era pobre
só tinha consigo
sua vida

Mas a lei da cidade de ouro
dizia que a vida devia perder
E quem dava sua vida sem nada pedir
ganhava mil vidas
e a cidade de ouro crescia...

A lua tornou-se mais clara
O sol com seus raios tornava mais bela
a cidade de ouro
No silêncio da noite ouvia-se o murmúrio
era o vento
passou sibilando entre as casas de tábuas
também ele queria saudar
a cidade de ouro
e a cidade de ouro crescia...

Quem ali se hospedava
saía tocado com a dança
com a música leve que via espontânea
nos rostos contentes
E assim, a cidade de ouro
crescia , crescia, crescia...
A colina que era pequena
tornou-se montanha.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Poesias Por Acaso

Clarice Pacheco

Sem inspiração
estou agora.
Tento atiçar a imaginação
mas ela demora.
Não consigo pensar em algo
que faça rimas.
É como querer acertar o alvo
com a flecha apontada para cima.
Não acho um bom assunto
que se organize bem em versos.
Mesmo sabendo que no mundo
há mil assuntos diversos.
Que coisa chata,
não consigo imaginar.
Isso quase me mata,
porque é horrível não poder pensar.

Mas espere um momento,
 mesmo não tendo um tema,
 se estas frases vou relendo,
 vejo que é um poema!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Areal

Eduardo B. Penteado
I

Um dia, parti de olhos vendados
Para desbravar os desertos...
Pisoteei flores raras em teu oásis de diamante
Mas o mundo é infinitamente finito!
Sempre em frente, em minha marcha
Regressei ao ponto de partida
Foi então que vi os muros.
Encontrei uma porta sólida e impenetrável
Justa e inevitável
Cuja única chave jaz perdida
Sob as areias dos desertos de minha vida
Parto agora numa busca mais objetiva.
Buscarei a chave que abre a tua porta
Tudo que possuo agora é o tempo que me resta
Uma enorme ampulheta
Um oceano de areia
E um fio de luz que escapa por uma fresta.

II

Se fosse definir para ti este momento louco
Acho que começaria por descrever os ecos
Loucos e ocos de lógica
Que reverberam contra mim.
Às vezes sinto-me como uma caverna secreta
Um poço de sons
Uma mera estrutura de ossos, sangue e olhos
Com todo o resto a ser preenchido
Por uma expectativa de um algo mais
De um grito...
De uma louca corrida por areias úmidas
De escuridão.
De um passo em falso
Na direção de um lindo abismo
Que foge à compreensão das outras pessoas
Pois dirige sua queda para cima
Rumo a um parafuso incontrolável de descobertas
E déjà-vu
Girando, girando
Mãos, olhos, bocas, vidas, tempos...
De tempos em tempos
O ponteiro dos segundos se mexe
Um brilho de diamante me ofusca
E eu alucino.
De tempos em tempos
A porta deixa escapar um fio de luz
Instantâneo, porém intenso
Tímido, lindo e tenso
Apenas um pequenino e tímido fio de luz
Que ilumina a periferia dos desertos.

III

Tenho areia nos olhos e água pura nas mãos
Sinto uma lágrima seca no rosto
Coagulando
E em meio a uma tempestade de areia
Vejo alguém a girar,
Girando no falso redemoinho da ampulheta.
Vi meu sangue na areia
Dei as costas para a porta.
Tenho areia nos olhos e uma cascata nas mãos
Por onde escapas de mim
Grão, grão, grão após grão
Girando mãos
Girando olhos
Girando uma tranca que, simplesmente... não.
''Um olho na fechadura,'' repete o eco
Mas tem de ser diferente!
Tende a ser referente:
O arame farpado que me isola de ti
Também cerca o meu horizonte
Não vejo campos, não vejo montes
Abre então a porta do teu desejo.

IV

A lua surgiu
E cobriu meus desertos.
Aqui e ali emergem espectros
Que fitam o sangue em minhas veias
E voltam a desaparecer nas areias.
Fechei os olhos,
E dentro de minha própria escuridão,
Adormeci.
Sonhei que a areia me cobria, e gritei!
Quis esmurrar a porta, como que possuído
Mas ela se transformou em fino cristal
Frágil demais para ser destruído.
Desaprendi o limite entre o sonho e o real
E brindei à dor do não concluído.
À minha volta, a paisagem se modifica
Os espectros me chamam para outra dimensão
E do outro lado da porta de cristal
Alguém sussurra o meu nome... em vão.
Em vão!

V

Um dia, parti de olhos vendados...
Estou fora dos desertos
As areias se transformaram em pó e cinzas
Junto com os princípios básicos da paixão
Repenso estroboscopicamente aquilo que vivi
Areia, ampulheta, abismos, gritos, gritos!
Um adeus às armas
Um impossível adeus às lágrimas
Um improvável adeus aos lugares-comuns.
Ora, boa noite!
Que surpresa vê-la aqui...
Para onde ir e de onde vir?
Inocência, deixe-me rir
Inocência, leve-me para longe dos desertos
Vastos e úmidos desertos
Cobertos por uma fina película de sangue
Sangue na areia
Uma rosa branca na areia
Ela está morta, e jamais gostou de rosas
Estou livre...
O céu se partiu, e está chovendo vidro.

Senhor Dos Versos

Mário Feijó
Era tão belo aquele menino
Alma de criança travessa
Que pulava sobre pedras
Transformando-as em versos...

Em meus sonhos por vezes
Ele se torna um deus grego
E com sua cítara sai por aí a fazer versos
Ao mesmo tempo em que flecha corações...

Não queria acreditar em seu poder, o menino,
Tampouco sabia ele que produzia pérolas
Encantando a todos – alguns dos simples mortais
Transforma ele em estátuas de mármore...

Quisera eu poder transformar o encanto
Correr pelas ruas em pranto e perdoá-lo
Foi-se embora o menino... fez-se homem
E levou todos os meus versos...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Felicidade É Coisa Que Não Tem

Judas Isgorogota

Era órfã e infeliz. Tinha o pesar profundo
De ser só, de não ter, como as outras meninas,
O carinho, a atenção, o desvelo dos pais.
Sofria por saber que, sozinha no mundo,
Ela, que havia tido a mais negra das sinas,
Deste mundo de dor nada esperava mais...
Mas, ouvindo, por fim, a fervorosa prece
Que altas horas da noite entre prantos brotava
Daquele ingênuo coração,
O Senhor a atendeu. E eis que um dia aparece
Um casal que de há muito desejava
Uma menina assim, para sua afeição.
E ela foi a sorrir, ela que não sorria...
A mansão do casal era toda cercada
De um mimoso jardim.
Seus vestidos agora eram lindos. Dir-se-ia
Que a andrajosa infeliz se transmudara em fada
E que a sua desdita, enfim, tivera um fim...
Não tivera, porém. Há três anos
Que ela era na escola a estudante pior.
Entanto, ela fazia esforços sobre-humanos
Para ao menos dizer uma frase de cor...
A memória, porém, só lhe causava danos
E era aquilo, afinal, sua mágoa maior...
Uma noite, o casal lhe disse: "Temos pena
De lembrar que você já não é tão pequena,
Que precisa estudar...
Pois, se perder este ano, é coisa resolvida,
Você vai passar a sua vida
Na copa, a trabalhar."
Aquela repreensão como um punhal lhe doía.
Tendo a alma a afogar-se em pranto, noite e dia
Aos livros a sem-sorte inda mais se aplicou.
Não, não queria ser uma simples copeira,
Ela que, pobrezinha, a sua infância inteira
Entre angústias passou...
Dezembro. A criançada. Antegozando as férias,
Mui longe de pensar nessas coisas tão sérias
Que a vida nos impõe quando a idade já vem,
Corre aos exames, rindo a criançada...
E no meio daquela revoada
Com um riso triste e bom, a órfão sorri também...
A escola é nesse dia um ninho delicioso,
Forrado de jasmins, de palmas e florões.
E a voz do mestre é a voz de um Todo-poderoso
Que as almas infantis enche de comoções...
Chega a vez da orfãzinha. É agora a vez terceira
Que se senta naquela humílima cadeira
Tal como se sentasse em um banco de réu...
Fala o mestre o seu nome, ao que ela diz: "Presente!"
Mas, o corpo era só que estava ali...realmente,
A sua alma vagava, entre os anjos, no céu...
O mestre a conhecia: era uma retardada
Mental, um caso à parte, e mister se fazia
Que com amor procedesse à mais leve argüição.
Dentre todas talvez fosse a mais aplicada...
Mas a idéia faltava...o cérebro dormia...
E a memória vivia em profunda inação.
-"Minha filha, você sabe perfeitamente
O que é "substantivo": a palavra que indica
Um animal, um ente,
Uma coisa ou pessoa, ou mesmo uma ilusão...
Por exemplo, você, o seu nome, "Lilica";
"Palácio", "Deus", "Amor", "Jornal", "Antônio"...
"Demônio" é um ser também, muito embora "Demônio"
Somente exista na imaginação..."
-"Muito bem, - prosseguiu o mestre. Estou contente.
Agora, diga o que é "substantivo abstrato"...
Diga...Lembre-se bem...coisa mais fácil não há...
Substantivo abstrato...uma coisa em que a gente
Ouve sempre falar mas não viu, de fato,
Nunca viu nem verá..."
-"Vamos... Só um exemplo, e eu fico satisfeito...
Substantivo abstrato...um entre sobre-humano,
Um ser a cujo canto alma alguma resiste,
Mas que não passa de ilusão...
Um sentimento bom que vive em nosso peito...
Uma coisa que o mundo inteiro diz que existe
E entretanto jamais a tivemos à mão..."
Nesse instante, uma luz brilhou nos olhos pequeninos
Da orfãzinha infeliz; e eis que, rasgando o denso
Nevoeiro, a idéia acorda em lampejos divinos,
A memória reluz como uma estranha vela;
Inicia a razão sua marcha triunfal,
E o cérebro, por fim, despertando daquela
Sonolência fatal,
Começa a funcionar com um dínamo imenso!
-"Mestre...mestre...eu já sei!" – grita a coitada como
Temendo que a razão se apagasse outra vez.
E aos brados, a chorar, num doloroso assomo,
Grita como uma douda
Que quisesse dizer a sua angústia toda
Naquele instante só de estranha lucidez!
- "Mestre, eu sei o que é! Se há uma coisa, em verdade,
Que o mundo inteiro diz que existe e que ninguém
Conseguiu ver jamais, nem a sentiu também,
Essa coisa só pode ser "Felicidade"!
Felicidade é coisa que não tem"!
(As Amáveis Lembranças)

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Aforismos dos Quinhentos Anos

Paulinho Assunção

O Brasil é um barco mitológico com quinhentos anos,
tripulado por gente com asas.
Gente com asas grandes, médias, pequenas – e gente com asas cortadas.
 
Querem uma teoria sobre o Brasil?
Pois aprendam a arte de observar os pés da multidão:
cada sapato é uma premissa,
cada pé descalço é uma questão.
 
E então?
Que abismo nos espera depois que a grande farra do capital terminar
numa gigantesca ressaca?

É função do poeta brasileiro de quinhentos anos despoetizar a poesia até o osso.
Toda a poesia poetizada está hoje na boca mole retórica da política,
incluindo aí a política dos poetas molemente poetizados.
 
Equivocaram-se os adeptos do “pós” isto, do “pós” aquilo.
Aos quinhentos anos,
estamos e somos pré, pré-qualquer-coisa.
 
Uma teoria sobre o Brasil?
Pois: traçar uma linha evolutiva entre as miçangas
e os espelhinhos dos conquistadores
e os celulares dependurados pelo corpo dos brasileiros.
 
Esta paisagem nas esquinas, sob os viadutos,
paisagem de meninos e meninas, de homens e mulheres,
amontoados, dormindo: o tal paraíso da carta de Caminha
trazia um texto oculto, profético e trágico,
para ser lido só agora, quinhentos anos depois.
 
Ao meu filho de dois anos, eu digo, sempre direi:
jamais dê importância a quem pensa
e escreve com mandíbulas de ferro.
 
Ao meu filho de dois anos, eu digo, sempre direi:
desconfie da ira do manso e da mansidão do irado.
 
Quinhentos anos: ex-brasileiro, ex-estrangeiro,
que homem me vejo dentro do espelho?
 
Querem outra teoria sobre o Brasil?
Pois aprendam a arte de ver estes e aqueles,
por aí, em algum lugar, os que perderam o trem,
mas continuam sentados à espera do embarque na estação em ruínas.
 
Ou então,  aprendam a arte de ver estes e aqueles,
por aí, em algum lugar,
os que se calaram depois do último combate,
os que depuseram as armas e jogaram no lixo
medalhas e condecorações.
 
Ou então,
uma teoria sobre o Brasil quinhentão poderia se assentar nesta imagem:
o trajeto-arco de uma nova idéia,
desde a sua eclosão até ser abatida
a tiros em praça pública.
 
Quinhentos anos e não aprendemos isto:
é o modo de fazer o guisado, não o guisado;
é o ponto do doce, não a bandeja com o doce;
é o modo de temperar, não o tempero;
é o modo do beijo, não a boca nem o beijo;
é o modo de viver, é o modo de morrer.
 
Há quinhentos anos, um barco tripulado pelas gentes tupiniquins
aportaria em uma costa qualquer da Europa
para mostrar ao europeu uma questão filosófica de base.
Esta: o trovão é o trovão é o trovão.
 
Quinhentos anos de História,
nenhum problema resolvido,
sequer colocado.
 
Quinhentos anos:
os sabichões tardios, com as suas estéticas agônicas,
ainda reinventarão a bicicleta, o bilboquê, a bolinha de gude.
 
Quinhentos anos:
os capitães-do-mato agora agem nas periferias metropolitanas.
Trocaram o bacamarte pelo fuzil.
 
Quinhentos anos:
uns milhões de escravos egípcios,
sob o chicote do faraó,
tentam empurrar a pirâmide-Brasil para o Primeiro Mundo.
 
Verdade das vaidades:
o tal paraíso da carta de Caminha
existe de fato nos sorrisos das colunas sociais.
 
Mas esse céu, esse sol, essas praias,
essas mulheres, esse carnaval, esse futebol,
esses automóveis, essa languidez – meu Deus,
quem é que se ocupará da utopia?
 
Pergunta dos quinhentos anos: ainda seremos anglo-saxônicos?
 
Fim de milênio e de cantar:
a poesia, meninos,
se ainda há a poesia, é o idioma posto a pensar.
 
Balanço pessoal dos quinhentos anos
 sou especialista em nuvens,
especialista em entardeceres e amanheceres.
Especializei-me naquilo que é refugo,
naquilo que é insignificante para a ordem do mundo,
para a dita riqueza do mundo.
 
Conclusão dos quinhentos anos:
o Apocalipse, meninos, o Apocalipse aconteceu várias vezes
e ainda existe muita pólvora estocada.
 
E foram dizer que eras grande, impávido, colosso:
agora só nos resta suportar o teu narcisismo incomensurável.
 
Com tamanha quantidade de automóveis-falantes,
de automóveis-pensantes, de automóveis-emergentes,
quem é que vai se ocupar do pé andarilho?
 
Dúvida dos quinhentos anos:
e se começássemos tudo de novo,
com um baile ou quem sabe uma quermesse?