Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

sexta-feira, 30 de março de 2012

Deus-Já-Vi

Eduardo B. Penteado

Foi numa praia em preto-e-branco
Numa noite expressionista
Sim, eu quase me lembro bem
Foi na época do meu primeiro monólogo com
deus(?)
Eu gritava e ele não respondia
Apenas me olhava
E eu andava calçado na água salgada
Um grito me acordou
E vi-me num sonho redondo e simétrico
"Socorro," gritou o que fui
De leve esbarrando no que sou
Torci para não ser reconhecido
Mas na multidão de eus,
Fui eu o escolhido
Cortei-me fundo, procurando uma veia
Mas só achei um veio de mercúrio
E eu estava longe, muito longe
Longe demais para gritar:
Morte, riso, planta, mulher
deus seja aquilo que eu o quiser!

http://eduardopenteado.blogspot.com.br/

quarta-feira, 28 de março de 2012

Evangelho

Carlos Vogt

A diferença entre o Deus de justiça do Velho Testamento
e o de misericórdia do Novo
é o caso que teve com Nossa Senhora
e o humanizou

Desalinhamentos

Anita Costa

Não suporto a visão dos acidentes que se distribuem pela auto-estrada
sigo acumulando desculpas justificativas convincentes por mais um atraso ou ausência
tenho náuseas ao tentar olhar a cena do desastre
ao mesmo tempo amoleço ao mesmo tempo me esforço para acelerar – o carro não obedece
mas sei que nada pode passar de um delírio passageiro
as manhãs nunca passam como gostaríamos
já me acostumei, mesmo sem rádio ou toca-fitas
já me acostumei
a ensaiar um enfarte no meio da avenida
a temer um desmaio em horas impróprias
me acostumei com o sal ao redor dos lábios salvando a pressão
que costuma baixar no calor
me acostumei mesmo com o carro a cena os desastres
rompendo o concreto pela manhã
mas mesmo assim não suporto
não suporto a visão dos acidentes que se distribuem
nem mesmo o acúmulo de justificativas
desculpas
por mais um atraso
mais uma ausência uma falta
enquanto um cão se debate no asfalto
e algumas pessoas se reúnem para assistir

Annita Costa nasceu em 1975 em São Paulo, é jornalista e mestre em Comunicação e
Semiótica pela PUC-SP. Publicou : "fundos para dias de chuva" pela Ed.7letras.
annita.costa@terra.com.br

terça-feira, 27 de março de 2012

O Bordado Cruel

Alexei Bueno

Quando era noite, atrás daquela porta,
junto a uma vela duas velhas riam
Matando aos poucos uma aranha torta. 
E a alegria que elas dividiam
Poucos tiveram já no mundo um dia,
Mas os que a achavam sempre a bendiziam. 
Cheia de medo, a criatura fria
Dançava horrível rente de uma chama
Que lentamente o corpo lhe roía,

E as velhas rindo a observar da cama
Iam falando sobre de que modo
Com dor mais lenta um corpo vil se inflama.

Espécie estranha de um vivente lodo,
Sendo corcunda e só com sete pernas
A aranha uivava por seu corpo todo
Que se expandia em inchações externas
Causando às velhas, com o vermelho horrendo
Do seu ardor, as sensações mais ternas... 
Emocionadas, com as mãos tremendo,
Vieram então com um bando de alfinetes
Que em cada pata foram se prendendo,

E a aranha presa de mil cacoetes
Foi só os espinhos de uma prata ardente
Que a recobria em infernais coletes.
E nesta arte foram indo em frente,
Depois agulhas, e um perfume ardido,
E ao fim de tudo uma tesoura ingente, 
Até que o fogo e o animal vencido
Murcharam juntos sobre a mesa irada
Em mil pedaços de um negror transido, 
E ambas as velhas, conhecendo o nada,
Com face imensa devoraram tudo
Que lhes restava da fatal jornada.

Enquanto, a olhá-las, um retrato mudo
De seu marido ia chorando as dores
Que o recobriam no ancestral escudo,
E todo o chão ia se abrindo em flores
E uma criança, que ninguém notara,
Pela janela olhava sem temores
E ia crescendo, e de uma forma rara,
Enquanto as velhas, enxugando as portas,
Varriam tétricas, na noite clara,
Todo o amargor das profecias mortas!