Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O Bordado Cruel

Alexei Bueno
Quando era noite, atrás daquela porta,
junto a uma vela duas velhas riam
Matando aos poucos uma aranha torta.

E a alegria que elas dividiam
Poucos tiveram já no mundo um dia,
Mas os que a achavam sempre a bendiziam.

Cheia de medo, a criatura fria
Dançava horrível rente de uma chama
Que lentamente o corpo lhe roía,

E as velhas rindo a observar da cama
Iam falando sobre de que modo
Com dor mais lenta um corpo vil se inflama.

Espécie estranha de um vivente lodo,
Sendo corcunda e só com sete pernas
A aranha uivava por seu corpo todo

Que se expandia em inchações externas
Causando às velhas, com o vermelho horrendo
Do seu ardor, as sensações mais ternas...

Emocionadas, com as mãos tremendo,
Vieram então com um bando de alfinetes
Que em cada pata foram se prendendo,

E a aranha presa de mil cacoetes
Foi só os espinhos de uma prata ardente
Que a recobria em infernais coletes.

E nesta arte foram indo em frente,
Depois agulhas, e um perfume ardido,
E ao fim de tudo uma tesoura ingente,

Até que o fogo e o animal vencido
Murcharam juntos sobre a mesa irada
Em mil pedaços de um negror transido,

E ambas as velhas, conhecendo o nada,
Com face imensa devoraram tudo
Que lhes restava da fatal jornada.

Enquanto, a olhá-las, um retrato mudo
De seu marido ia chorando as dores
Que o recobriam no ancestral escudo,

E todo o chão ia se abrindo em flores
E uma criança, que ninguém notara,
Pela janela olhava sem temores

E ia crescendo, e de uma forma rara,
Enquanto as velhas, enxugando as portas,
Varriam tétricas, na noite clara,

Todo o amargor das profecias mortas!

Tempo De Amor

Baden Powell / Vinícius de Morais

Ah, bem melhor seria
Poder viver em paz
Sem ter que sofrer
Sem ter que chorar
Sem ter que querer
Sem ter que se dar

Ah, bem melhor seria
Poder viver em paz
Sem ter que sofrer
Sem ter que chorar
Sem ter que querer
Sem ter que se dar

Mas tem que sofrer
Mas tem que chorar
Mas tem que querer
Pra poder amar
Ah, mundo enganador
Paz não quer mais dizer amor

Ah, não existe coisa mais triste que ter paz
E se arrepender, e se conformar
E se proteger de um amor a mais
O tempo de amor
É tempo de dor
O tempo de paz
Não faz nem desfaz

Ah, que não seja meu
O mundo onde o amor morreu

Ah, não existe coisa mais triste que ter paz
E se arrepender, e se conformar
E se proteger de um amor a mais
E se arrepender, e se conformar
E se proteger de um amor a mais

A Tua Vida É Um Segredo

Lamartine Babo


A tua vida é... é um segredo
É um romance e tem... e tem enredo


A tua vida, é um livro amarelado
Lembranças do passado
Folhas soltas da saudade


A tua vida, romance igual ao meu
Igual a muitos outros
Que o destino me escreveu


A tua vida, foi sonho e foi ventura
Foi lágrima caída
No caminho da amargura
São nossas vidas
Comédias sempre iguais
Três atos de mentira
Cai o pano e nada mais

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Delírios II - Alquimia Do Verbo

Jean-Athur Rimbaud

Para mim. A história das minhas loucuras.
Há muito me gabava de possuir todas
as paisagens possíveis, e julgava irrisórias
as celebridades da pintura e da poesia moderna.

Gostava das pinturas idiotas, em portas,
decorações, telas circenses, placas,
iluminuras populares; a literatura fora de moda,
o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia,
romances de nossos antepassados,
contos de fadas, pequenos livros infantis,
velhas óperas, estribilhos ingênuos,
ritmos ingênuos.

Sonhava  com as cruzadas, viagens de
descobertas de que não existem relatos,
repúblicas sem histórias, guerras de religião
esmagadas, revoluções de costumes,
deslocamentos de raças e continentes:
acreditava em todas as magias.

Inventava a cor das vogais!
- A  negro E branco, I vermelho, O azul, U verde.
Regulava a forma e o movimento de cada consoante,
e, com ritmos instintivos,
me vangloriava de ter inventado um verbo poético acessível,
um dia ou outro, a todos os sentidos.

Era comigo traduzi-los.
Foi primeiro um experimento.
Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível.
Fixava vertigens.

Tradução de Paulo Hecker Filho

Bem Baixinho

Rumo

Gosto dela meio velha assim mesmo
Ainda ontem eu comentei com meu amigo
Ela é meio velha mas é tão bonita!
E ele disse: puxa! é mesmo!
Ela é assim meio velha mas é tão bonita!

E é uma beleza espontânea e natural
Não tem medo de dizer
Que está amando outra vez
E não diz de qualquer jeito, não
Num momento que você está atento
Ela cochicha baixinho e tão pertinho
Que só pode ser você dessa vez

E essa nação é assim com todo mundo
Grandalhona, meio velha, mas uma musa e tanto
E quando você menos espera ela diz:
Estou livre outra vez!

Se Eu Te Dissesse (Mas Não Posso Falar)

Amotinados

Se eu te dissesse
Meias verdades
Palavras doces

Se eu te dissesse
Palavras doces
Te fariam feliz?

Mas eu não posso falar
Me arrisco a ficar só
Ela não quer que eu diga

Mas eu não posso falar
Cortaram minha língua
Eles não querem que eu diga
Que eu diga!

Mas eu não posso falar

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Anti-Char

João Cabral de Melo Neto

Poesia intransitiva,
sem mira e pontaria:
sua luta com a língua acaba
dizendo que a língua diz nada.

É uma luta fantasma,
vazia, contra nada;
não diz a coisa, diz vazio;
nem diz coisas, é balbucio.

O Ciclone de Théophile

Ademir Demarchi

O ciclone embora Théophile lhe seja surdo
Também ameaça-me os camafeus
Assim mesmo porém o amo
Terrificante e belo a espiralar-me o peito
Em sua sina de profícuo signo
Lar agradável, oásis da pira arte
A anular todas as coisas vis
Apesar das quais a palavra arde

Ai De Mim Copacabana

Torquato Neto

Ai de mim Copacabana

Um dia depois do outro
numa casa abandonada
numa avenida
pelas três da madrugada
num barco sem vela aberta
nem mar
nem mar sem rumo certo
longe de ti
ou bem perto
é indiferente, meu bem

Um dia depois do outro
ao teu lado ou sem ninguém
no mês que vem
neste país que me engana
ai de mim, Copacabana
ai de mim: quero
voar no concorde
tomar o vento de assalto
uma viagem num salto
(você olha nos meus olhos
e não vê nada -
é assim mesmo
que eu quero ser olhado).

Um dia depois do outro
talvez no ano passado
é indiferente
minha vida tua vida
meu sonho desesperado
nossos filhos nosso fusca
nossa butique na augusta
o Ford Galaxie, o medo
de não ter um Ford galaxie
o táxi, o bonde a rua
meu amor, é indiferente

Minha mãe, teu pai a lua
nesse país que me engana
ai de mim, Copacabana
ai de mim, Copacabana
ai de mim, Copacabana
ai de mim.

Musicada por Caetano Veloso

Essa Noite Não


Lobão

A cidade enlouquece em sonhos tortos
Na verdade nada é o que parece ser
As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente, sem prazer

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

As cortinas transparentes não revelam
O que é solitude, o que é solidão
Um desejo violento bate sem querer
Pânico, vertigem, obsessão

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

Tá sozinha, tá sem onda, tá com medo
Seus fantasmas, seu enredo, sem destino
Toda noite uma imagem diferente
Consciente, inconsciente, desatino

A maior expressão da angústia
Pode ser a depressão
Algo que você pressente
Indefinível
Mas não tente se matar
Pelo menos essa noite não

Mulher Nova, Bonita e Carinhosa


Zé Ramalho

Numa luta de gregos e troianos
Por Helena, a mulher de Menelau
Conta a história de um cavalo de pau
Terminava uma guerra de dez anos
Menelau, o maior dos espartanos
Venceu Páris, o grande sedutor
Humilhando a família de Heitor
Em defesa da honra caprichosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Alexandre figura desumana
Fundador da famosa Alexandria
Conquistava na Grécia e destruía
Quase toda a população Tebana
A beleza atrativa de Roxana
Dominava o maior conquistador
E depois de vencê-la, o vencedor
Entregou-se à pagã mais que formosa
Mulher nova bonita e carinhosa
Faz um homem gemer sem sentir dor

A mulher tem na face dois brilhantes
Condutores fiéis do seu destino
Quem não ama o sorriso feminino
Desconhece a poesia de Cervantes
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentando a procela em seu furor
Se não fosse a mulher mimosa flor
A história seria mentirosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa

Coisa Que Não Se Esquece


Caetano Veloso

Mexendo no meu passado
Aperto em minhas mãos
Velhas cartas já marcadas
Pelo tempo antigas fotograficas
Quase já sem cor
Em um momento de saudade
Nessa lagrima de amor
são coisas que não se esquece
Só finge quem desconhece
Não dá pra esconder verdades
Sobre o que ficou
São coisas que não se esquece
E mesmo que eu quisesse
As fotos não negam os fatos
Do que se passou
com tantas lembranças suas
Tenho que viver
E até quando eu não quero
Lembro de você
Momentos inesquecíveis
Nosso amor deixou
No mais intimos de nós
Essa história que ficou
São coisas...que se passou

Mundo Vazio


Maysa

Volto ao meu mundo vazio
Mesmo não querendo voltar
Sei que lá você não estará
Nem voltará, infelizmente não

Ainda ouço o seu adeus
A ecoar nos sonhos meus
Enquanto ainda chamo você
Voce não ouve nem me vê

Perdi a fé e me perdi
Nem sei porque estou aqui
Se a esperança como eu
Nesse meu mundo se perdeu

Perdi a fé e me perdi
Nem sei porque estou aqui
Se a esperança como eu
Nesse meu mundo se perdeu

Brisa Do Mar


Chico Buarque

Brisa do mar,
Confidente do meu coração
Me sinto capaz de uma nova ilusão
Que também passará,
Como ondas na beira de um cais
Juras, Promessas, Canções
Mas por onde andarás
Pra ser feliz não há uma lei
Não há, porém, sempre é bom
Viver a vida atento ao que diz
No fundo do peito o seu coração
E saber entender
Os segredos que ele ensinar
Mensagens sutis
Como a brisa do mar

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Catando Os Cacos Do Caos

Affonso Romano de Sant'Anna

Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
- como se fosse flor.

Catar os restos e ossos
da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
- do dia cão.

Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
- como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça?
Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção

Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fim

Não é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.

Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora

O Amor E O Outro

Affonso Romano de Sant'Anna

Não amo
melhor
nem pior
do que ninguém.

Do meu jeito amo.
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei
até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Ocorrência

Ferreira Goulart

Aí o homem sério entrou e disse: bom dia.
Aí outro homem sério respondeu: bom dia.
Aí a mulher séria respondeu: bom dia.
Aí a menininha no chão respondeu: bom dia.
Aí todos riram de uma vez

Menos as duas cadeiras, a mesa, o jarro, as flores
as paredes, o relógio, a lâmpada, o retrato, os livros
o mata-borrão, os sapatos, as gravatas, as camisas, os lenços.

Poesia

Poesia

Augusto de Campos

"Recriar é a meta
de um tipo especial
de tradução:
a tradução-arte
mas para chegar à
re-criação
é preciso identificar-se
profundamente
com o texto origina
e ao mesmo tempo
não barateá-lo
enfrentar todas as suas
dificuldades
tentar reconstituir
a criação
a partir de cada palavra
som por som
tom por tom

é uma questão de forma
mas também
é uma questão de alma"

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Número Da Paixão

Chacal

Na corda bamba quero ser teu contrapeso
no número das facas assoviar nos teus ouvidos
no globo da morte quero ser teu copiloto
no vai e vem do trapézio quero ser quem te segura.

Quero te acompanhar pelas ruas do rio sorrindo ou chorando
quero me molhar todinho só pra te deixar sequinha nesse temporal
quero te abraçar apaixonado sentir teu coração pulsar
quero te beijar do oiapoque ao chuí, bem te vi.

Porque eu sei que teus cabelos são tempestades que me alucinam
que despencarei cada vez que subir nos teus andaimes
que me esfaquearei transtornado com suas sutis insinuações sobre o tempo.

Que me transmutarei em nêspera cada vez que me disseres:
hasta luego, luz del fuego
que vagarei sem esperanças quando não mais fizeres parte
dos meus próximos capítulos
que capitularei enfim, com a cabeça espatifada nos escombros
do meu próprio coração

Canção

Ginsberg

O peso do mundo é o amor.
Sob o fardo da solidão,
sob o fardo da insatisfação
 
o peso
o peso que carregamos é o amor.
 
Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca o corpo,
em pensamentos constrói
um milagre, na imaginação
aflige-se até tornar-se
humano -
sai para fora do coração ardendo de pureza -
pois o fardo da vida é o amor,
 
mas nós carregamos o peso cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor finalmente
temos que descansar nos braços do amor.
 
Nenhum descanso sem amor,
nenhum sono sem sonhos
de amor - quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos ou por máquinas,
o último desejo é o amor
- não pode ser amargo não pode ser negado
não pode ser contigo quando negado:
 
o peso é demasiado - deve dar-se
sem nada de volta assim como o pensamento
é dado na solidão
em toda a excelência do seu excesso.
 
Os corpos quentes brilham juntos
na escuridão, a mão se move
para o centro da carne,
a pele treme na felicidade
e a alma sobe feliz até o olho -
 
sim, sim, é isso que
eu queria, eu sempre quis,
eu sempre quis voltar
ao corpo em que nasci.

Uivo

Ginsberg

para Carl Solomon

Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela loucura,
morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
"hipsters" com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial
com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas,
viajaram fumando sentados
na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos
sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades
contemplando jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
e viram anjos maometanos cambaleando
iluminados nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com os olhos frios e radiantes
alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake
entre os estudiosos da guerra,que foram expulsos das universidades
por serem loucos e publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes
de pintura descascada em roupa de baixo
queimando seu dinheiro em cestas de papel,
escutando o Terror através da parede,
que foram detidos em suas barbas públicas voltando por Laredo
com um cinturão de marijuana para Nova York,
que comeram fogo em hotéis mal-pintados
ou beberam terebentina em Paradise Alley,
morreram ou flagelaram seus torsos noite após noite
com sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,
álcool e caralhos e intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula
e clarão na mente pulando nos postes dos pólos de Canadá & Paterson,
iluminando completamente o mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de quintal
com verdes árvores de cemitério, porre de vinho nos telhados,
fachadas de lojas de subúrbio na luz cintilante de neon
do tráfego na corrida de cabeça feita do prazer,
vibrações de sol e lua e árvore
no ronco de crepúsculo de inverno de Brooklin,
declamações entre latas de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô
para o infindável percurso do Battery
ao sagrado Bronx de benzedrina
até que o barulho das rodas e crianças
os trouxesse de volta,
trêmulos, a boca arrebentada
e o despovoado deserto do cérebro esvaziado de qualquer brilho
na lúgubre luz do Zôológico,
que afundaram a noite toda na luz submarina de Bickford's,
voltaram à tona e passaram a tarde de cerveja choca
no desolado Fugazzi's escutando o matraquear da catástrofe
na vitrola automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do parque ao apê
ao bar ao hospital Bellevue
ao Museu à Ponte de Brooklin,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando
dos gradis das escadas de emergência
dos parapeitos das janelas do Empire State da lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurando
fatos e lembranças e anedotas
e viagens visuais e choques nos hospitais e prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total
com os olhos brilhando por sete dias e noites,
carne para a sinagoga jogada na rua,
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de lugar algum
deixando um rastro de cartões postais ambíguos
do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo amores orientais,
pulverizações tangerianas nos ossos enxaquecas da China
por causa da falta da droga no quarto
pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia-noite
no pátio da estação férroviária
perguntando-se onde ir e foram,
sem deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões de carga,
vagões de carga que rumavam ruidosamente pela neve
até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz,
telepatia e bop-cabala
pois o Cosmos instintivamente vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho
procurando anjosíndios e visionários,
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore apareceu
em êxtase sobrenatural,
que pularam  em limusines com o chinês de Oklahoma
no impulso da chuva de inverno
na luz da rua da cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Houston procurando jazz
ou sexo ou rango e seguiram o espanhol brilhante
para conversar sobre América e Eternidade,
inútil tarefa, e assim embarcaram num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do México nada deixando
além da sombra das suas calças rancheiras e a lava
e a cinza da poesia espalhadas na lareira de Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste
investigando o FBI de barba e bermudas
com grandes olhos pacifistas e sensuais
nas suas peles morenas,
distribuindo folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços protestando
contra o nevoeiro narcótico de tabaco do capitalismo,
que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Suare,
chorando e despindo-se enquanto as sirenes de Los Alamos
os afugentavam gemendo mais alto que eles
e gemiam pela Wall Street
e também gemia a balsa da Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,
nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço
e berraram de prazer nos carros de presos
por não terem cometido outro crime
a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no Metrô
e foram arrancados do telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas santificados
e urraram de prazer, que enrabaram e foram enrabados
por estes serafins humanos,
os marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã  e ao cair da tarde em roseirais,
na grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livre-  
mente seu sêmem para quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
mas acabaram choramingando atrás de um tabique de banho turco
onde o anjo loiro e nu veio atravessá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as tres megeras do destino,
a megera caolha do dólar heterossexual,
a megera caolha que pisca de dentro do ventre
e  a megera caolha que só sabe ficar plantada sobre sua bunda
retalhando os dourados fios do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com uma garrafa de cerveja,
uma namorada, um maço de cigarros,
uma vela, e caíram da cama e continuaram pelo assoalho e pelo corredor
e terminaram desmaiando contra a paerede
com uma visão da buceta final
e acabaram sufocando um derradeiro lampejo de consciência,
que adoçaram trepadas de um milhão de garotas trêmulas ao anoitecer,
acordaram de olhos vermelhos no dia seguinte
mesmo assim prontos para adoçar trepadas na aurora,
bundas luminosas nos celeiros  e nus no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de carros roubados
à noite, N.C. herói secreto destes poemas,
garanhão e Adonis de Denver - prazer ao lembrar de suas incontáveis trepadas
com garotas em terrenos baldios
e pátios dos fundos de restaurantes de beira de estrada
raquíticas fileiras de poltronas de cinema,
picos de montanha, cavernas
ou com esquálidas garçonetes no familiar levantar de saias
solitário  á beira da estrada & especialmente secretos solipsismos
de mictórios de postos de gasolina
& becos da cidade  
natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram transportados
em sonho, acordaram num Manhattan súbito e conseguiram voltar
com uma impiedosa ressaca de adegas de Tokay
e o horror dos sonhos de ferro da Terceira Avenida
& cambalearam até as agências de emprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios de sangue
pelo cais coberto por montões de neve, esperando que  
se abrisse uma porta no East River dando num quarto  
cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas
nos penhascos de apartamentos de Hudson
à luz de holofote anti-aéreo da lua &  
suas cabeças receberão coroa de louro no esquecimento,(...)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Bonequinha

Luiz Ayrão

Bonequinha linda
Que Deus me mandou
Me faz um carinho
E diz que eu sou seu amor

Me faz um carinho
E diz que eu sou seu amor
Eu era um barco errante
Sem rumo a navegar

Você é a estrela brilhante
Que veio pra me guiar
Bonequinha meu xodó
Tem tem tem de mim tem dó
Me abraça e nunca me deixe só

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Baião D Quatro Toques

LuizTatit

Quando bater no coração
Quatro pancadas e depois um bis
Pode escrever não falha não
É a tentação de ser muito feliz

Por isso é bom esse baião de quatro toques
Carregadinho de premonição
Ele não deixa que a batida se desloque
E que se afaste do seu coração

Pra quem compôs, pra quem tocou
e pra quem ouve
É o destino que sempre se quis
É uma quinta sinfonia de Beethoven

Que decantou e só ficou a raiz
Dá pra sentir
A exatidão
No tiquetaque do seu coração

Dá pra entender
Que esse baião
De quatro toques
Tanto tentou
Tanto tentou
Que se tornou
A tentação desse país
De ser assim feliz