Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O Último Pôr-do-Sol

Lenine

A onda ainda quebra na praia
Espumas se misturam com o vento
No dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
Pensando nós dois

No dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
Pensando nós dois

Eu lembro a concha em seu ouvido
Trazendo o barulho do mar na areia
No dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho olhando o sol morrer
Por entre as ruínas de Santa Cruz
Lembrando nós dois

No dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho olhando o sol morrer
Por entre as ruínas de Santa Cruz
Lembrando nós dois

Os edifícios abandonados
As estradas sem ninguém
Óleo queimado, as vigas na areia
A lua nascendo por entre os fios dos teus cabelos
Por entre os dedos da minha mão
Passaram certezas e dúvidas

Pois no dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém
O último homem no dia em que o sol morreu
Pois no dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém
O último homem no dia em que o sol morreu
Pois no dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém
O último homem no dia em que o sol morreu

A Menina E O Poeta

Roberto Carlos

Virgem, menina morena,
Nos cabelos uma trança
No rosto um jeito criança
Na voz um canto mulher
Virgem, menina morena,
Nos olhos toda a primavera
No corpo uma longa espera
Coração banhado em fé

A tarde corre pra noite
A lua desperta sorrindo
A menina na janela
Botão em flor se abrindo

Nasceu o primeiro desejo
Conhecer o primeiro amor
Na história de um poeta
A menina acreditou

Na história de um poeta
A menina acreditou

Mas o poeta foi um dia
E até hoje não voltou
Ninguém sabe o caminho
Que o poeta levou

O vento que foi com ele
Um dia por lá voltou
Mas só que voltou sozinho
E a menina chorou

Na história do poeta
A menina acreditou
E dos olhos da menina
Uma lágrima rolou

E dos olhos da menina
Uma lágrima rolou

sábado, 17 de outubro de 2015

Eu Gosto Mais do Rio

Nara Leão

Eu gosto mais do Rio, quando estou com você
De ouvir canções do Tom quando estou com você
Gosto de ir a um bar bem à beira-mar
Tomar um chope gelado, ver gente passear, mas só com você
É bom viver no Rio, mas só se for com você...

Gosto de ler jornal quando estou em casa
Ter só você ao lado me faz feliz
De mãos dadas no cinema ou vendo Tv
Sei que é antiquado
Mas gosto disso só com você...

É bom viver no rio, mas se for com você
O Rio é sempre lindo, a praia, o mar azul
Tudo isso que o Tom já cantou nas canções
Ah! Como é bom...
Eu gosto disso, mas com você...

Coração Vagabundo

Caetano Veloso

Meu coração não se cansa
De ter esperança
De um dia ser tudo o que quer

Meu coração de criança
Não é só a lembrança
De um vulto feliz de mulher
Que passou por meus sonhos

Sem dizer adeus
E fez dos olhos meus
Um chorar mais sem fim

Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim

Meu coração vagabundo
Quer guardar o mundo
Em mim

Samba da Benção

Baden Powell

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba não

Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assim mesmo assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!

A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

Vinicius de Moraes, por exemplo
O capitão do mato
Poeta e ex-diplomata
Como ele mesmo diz:
É o branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior babalorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

A Rosa ( Flor Que Não Se Cheira)

Arlindo Cruz

A rosa que eu te dei é pra você guardar
É pra você guardar
Meu amor eu vou partir
E não sei quando vou voltar
Essa rosa vai ficar em meu lugar

Essa rosa vai me substituir
Na minha ausência vai fazer você sorrir
Essa rosa será a segurança do nosso amor
Não jogue a rosa fora, por favor

Você não é flor que se cheira, amor
Um dia vai padecer com a dor

Vai sofrer como eu sofri
Passar o que eu passei
Sentir o que eu senti
Chorar o que eu chorei
Penar como eu penei, perder até a cor
Você não é flor que se cheira, amor

Tem que cair como eu caí
Viver como eu vivi
Morar onde eu morei
Comer o que eu comi
Ficar como eu fiquei
Sentir a mesma dor
Você não é flor que se cheira, amor

Beber como eu bebi
Pagar o que eu paguei
Não ter pra quem sorrir
Andar como eu andei
Sem ter de onde tirar e ainda ter que pôr
Você não é flor que se cheira, amor

Novamente Aconteceu

Gang 90

Ontem ao sair de casa
Atravessando a rua ela me ganhou
Seu corpo, seu olhar tão lindo
Promessas de carícias, mas você chegou
Tentei achar que era só um alô
Você ficou nas duas caras lindas loucas de amar
Ela e você
Meu coração pirou
Na sua pele quase parou
Meu coração pirou
Ondas de amor
E me pegou, e agora estou

Estou amando loucamente esta mulher
Você não pode compreender
No seu papel
Você não pode compreender

Não, não, não.....

Bastidores

Chico Buarque

Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim
E me tranquei no camarim
Tomei um calmante, um excitante
E um bocado de gim

Amaldiçoei
O dia em que te conheci
Com muitos brilhos me vesti
Depois me pintei, me pintei
Me pintei, me pintei

Cantei, cantei
Como é cruel cantar assim
E num instante de ilusão
Te vi pelo salão
A caçoar de mim

Não me troquei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que tu nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltar

Cantei, cantei
Nem sei como eu cantava assim
Só sei que todo o cabaré
Me aplaudiu de pé
Quando cheguei ao fim

Mas não bisei
Voltei correndo ao nosso lar
Voltei pra me certificar
Que nunca mais vais voltar
Vais voltar, vais voltar

Cantei, cantei
Jamais cantei tão lindo assim
E os homens lá pedindo bis
Bêbados e febris
A se rasgar por mim

Chorei, chorei
Até ficar com dó de mim
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Preciso Aprender A Ser Só

Paulo Sérgio Valle

Ah, se eu te pudesse fazer entender
Sem teu amor eu não posso viver
E sem nós dois o que resta sou eu
Eu assim tão só
E eu preciso aprender a ser só
Poder dormir sem sentir teu calor
E ver que foi só um sonho e passou

Ah, o amor
Quando é demais ao findar leva a paz
Me entreguei sem pensar
Que a saudade existe e se vem
É tão triste, vê
Meus olhos choram a falta dos teus
Esses olhos que foram tão meus
Por Deus entenda que assim eu não vivo
Eu morro pensando no nosso amor

Por Deus entenda que assim eu não vivo
Eu morro pensando no nosso amor
Ah o amor
Quando é demais ao findar leva a paz
Me entreguei sem pensar
Que a saudade existe e se vem
É tão triste, vê
Meus olhos choram a falta dos teus
Esses olhos que foram tão meus
Por Deus entenda que assim eu não vivo
Eu morro pensando no nosso amor...

sábado, 15 de agosto de 2015

Desatinos

Valéria Cruz

Já provei do improvável e sobrevivi
à fúria e as delícias das quimeras.
Aprendi sobre a mitologia enfurecendo deuses
e sendo arrastada pelos cabelos para fora do olimpo.
Desobedeci à maioria das regras,
para criar outras que também nunca pretendi cumprir.
Rastejei até soltar a pele, por terem me dito,
que me vestia de um pecado original.
Contracenei com a noite
sem estrelas por ser a única cadente.
Embora ainda não tenha me recuperado do tombo,
calibro os olhos para enfrentar os desatinos do dia-a-dia,
fazendo de conta que tudo isso é absurdamente normal...

Cantem Outros A Clara Cor Virente

Alphonsus Gimaraens

Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.
Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.

Cantem esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...

Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte...

sábado, 25 de julho de 2015

Injúria Secreta

Artur Gomes

Suassuna no teu corpo
couro de cor compadecida
Ariano sábio e louco
inaugura em mim a vida
pedra de reino no riacho
gumes de atalhos na pedreira
menina dos brincos de pérola
palavra acesa na fogueira
pós os ismos tudo é pós
na pele ou nas aranhas
na carne ou nos lençóis
no palco ou no cinema
o que procuro na palavras
é clara quando não é gema

até furar os meus olhos
com alguma cascata de luz
devassa quando em mim transcende
a lamparina que acende
e transforma em mel o que era pus.

Poetas De Amanhã

Max Moreira Whitman

Poetas de amanhã: arautos, músicos,
cantores de amanhã !
Não é dia de eu me justificar
E dizer ao que vim;
Mas vocês, de uma nova geração,
Atlética, telúrica, nativa,
Maior que qualquer outra conhecida antes
- levantem-se: pois têm de me justificar !

Eu mesmo faço apenas escrever
Uma ou duas palavras
Indicando o futuro;
Faço tocar a roda para frente
Apenas um momento
E volto para a sombra
Correndo

Eu sou um homem que, vagando
A esmo, sem de todo parar,
Casualmente passa a vista por vocês
E logo desvia o rosto,
Deixando assim por conta de vocês
Conceituá-lo e aprová-lo,
A esperar de vocês
As coisas mais importantes.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Se O Amor Quiser Voltar

Vinicius de Moraes

Se o amor quiser voltar
Que terei pra lhe contar
A tristeza das noites perdidas
Do tempo vivido em silêncio
Qualquer olhar lhe vai dizer
Que o adeus me faz morrer
E eu morri tantas vezes na vida
Mas se ele insistir
Mas se ele voltar
Aqui estou sempre a esperar

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Detalhes

Roberto Carlos

Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito tempo em sua vida
Eu vou viver

Detalhes tão pequenos de nós dois
São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver

Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
E isto lhe trouxer saudades minhas
A culpa é sua

O ronco barulhento do seu carro
A velha calça desbotada ou coisa assim
Imediatamente você vai lembrar de mim

Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei, mas eu duvido!
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai lembrar de mim

A noite envolvida no silêncio
Do seu quarto
Antes de dormir você procura
O meu retrato
Mas da moldura não sou eu quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso mesmo assim
E tudo isso vai fazer você lembrar de mim

Se alguém tocar seu corpo como eu
Não diga nada
Não vá dizer meu nome sem querer
À pessoa errada

Pensando ter amor nesse momento
Desesperada você tenta até o fim
E até nesse momento você vai
Lembrar de mim

Eu sei que esses detalhes vão sumir
Na longa estrada
Do tempo que transforma todo amor
Em quase nada

Mas "quase" também é mais um detalhe
Um grande amor não vai morrer assim
Por isso, de vez em quando você vai
Vai lembrar de mim

Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito tempo em sua vida
Eu vou viver
Não, não adianta nem tentar
Me esquecer

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Ângulos

Arrigo Barnabé

Curvas dos sapatos
Espelhando esquinas
Números exatos
Cortam-se na brisa
Sóis luzem nos dentes
Você me diz
Vamos parar
Os ângulos retos
Domam seus cabelos
Automóveis pretos
Refletem sapatos
Lábios quase opacos
Você me diz
Vamos parar
Na sua voz
Passam tantas notas
Que não param pra notar
Dedos na mão
Que dorme à sombra do momento
Contam tempos soltos pelo bar
E o amor
Nuvem nos topos
Não encontra lagos
A curva dos copos
Reflete automóveis
Olhos quase secos
Você me diz
Vamos parar
Lágrima no pelo
Espelhando a nuvem
Álcool sobre o gelo
Nenhuma palavra
Unhas sobre a louça
Você me diz
Vamos parar

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Se

Djavan

Você disse que não sabe se não
Mas também não tem certeza que sim
Quer saber?
Quando é assim, deixa vir do coração

Você sabe que eu só penso em você
Você diz que vive pensando em mim
Pode ser, se é assim
Você tem que largar a mão do não
Soltar essa louca, arder de paixão
Não há como doer pra decidir
Só dizer sim ou não
Mas você adora um se

Eu levo a sério, mas você disfarça
Você me diz à beça e eu nessa de horror
E me remete ao frio que vem lá do sul
Insiste em zero a zero e eu quero um a um

Sei lá o que te dá, não quer meu calor
São Jorge, por favor, me empresta o dragão
Mais fácil aprender japonês em braile
Do que você decidir se dá ou não

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Lua De São Jorge

Caetano Veloso

Lua de São Jorge, lua deslumbrante
Azul verdejante, cauda de pavão
Lua de São Jorge, cheia, branca e inteira
Oh, minha bandeira solta na amplidão
Lua de São Jorge, lua brasileira
Lua do meu coração!

Lua de São Jorge, lua deslumbrante
Azul verdejante, cauda de pavão
Lua de São Jorge, cheia, branca e inteira
Oh, minha bandeira solta na amplidão
Lua de São Jorge, lua brasileira
Lua do meu coração!

Lua de São Jorge, lua maravilha
Mãe, irmã e filha de todo esplendor
Lua de São Jorge, brilha nos altares
Brilha nos lugares onde estou e vou
Lua de São Jorge, brilha sobre os mares
Brilha sobre o meu amor

Lua de São Jorge, lua soberana
Nobre porcelana sobre a seda azul
Lua de São Jorge, lua da alegria
Não se vê um dia claro como tu
Lua de São Jorge, serás minha guia
No Brasil de Norte a Sul

Soneto Do Teu Corpo

Leoni

Juro beijar teu corpo sem descanso
Como quem sai sem rumo prá viagem.
Vou te cruzar sem mapa nem bagagem,
Quero inventar a estrada enquanto avanço.

Beijo teus pés, me perco entre teus dedos.
Luzes ao norte, pernas são estradas
Onde meus lábios correm a madrugada
Pra de manhã chegar aos teus segredos.

Como em teus bosques. bebo nos teus rios.
Entre teus montes, vales escondidos.
Faço fogueiras, choro, canto e danço.

Línguas de lua varrem tua nuca.
Línguas de sol percorrem tuas ruas.
Juro beijar teu corpo sem descanso

sábado, 21 de março de 2015

O Primeiro Segundo

Cândido Pinheiro

Use todas as pontes para chegar
e todas as chaves para abrir
Use o sorriso para colorir
e o olhar para iluminar.

Use todas as energias para vibrar
e o coração para amar
Use as palavras para agradecer
e os braços para aconchegar.

Use a imaginação para criar
e todas as esperanças redobrar
Use o perdão e a tolerância
no Ano que vai chegar.

Use o primeiro segundo
e encontre-se consigo mesma
Use a beleza de teu espírito
para ao Novo Ano brindar.

Areal

Eduardo B. Penteado


I

Um dia, parti de olhos vendados
Para desbravar os desertos...
Pisoteei flores raras em teu oásis de diamante
Mas o mundo é infinitamente finito!
Sempre em frente, em minha marcha
Regressei ao ponto de partida

Foi então que vi os muros.
Encontrei uma porta sólida e impenetrável
Justa e inevitável
Cuja única chave jaz perdida
Sob as areias dos desertos de minha vida

Parto agora numa busca mais objetiva.
Buscarei a chave que abre a tua porta
Tudo que possuo agora é o tempo que me resta
Uma enorme ampulheta
Um oceano de areia
E um fio de luz que escapa por uma fresta.


II

Se fosse definir para ti este momento louco
Acho que começaria por descrever os ecos
Loucos e ocos de lógica
Que reverberam contra mim.
Às vezes sinto-me como uma caverna secreta
Um poço de sons
Uma mera estrutura de ossos, sangue e olhos
Com todo o resto a ser preenchido
Por uma expectativa de um algo mais
De um grito...

De uma louca corrida por areias úmidas
De escuridão.
De um passo em falso
Na direção de um lindo abismo
Que foge à compreensão das outras pessoas
Pois dirige sua queda para cima
Rumo a um parafuso incontrolável de descobertas
E déjà-vu
Girando, girando
Mãos, olhos, bocas, vidas, tempos...

De tempos em tempos
O ponteiro dos segundos se mexe
Um brilho de diamante me ofusca
E eu alucino.
De tempos em tempos
A porta deixa escapar um fio de luz
Instantâneo, porém intenso
Tímido, lindo e tenso
Apenas um pequenino e tímido fio de luz
Que ilumina a periferia dos desertos.


III

Tenho areia nos olhos e água pura nas mãos
Sinto uma lágrima seca no rosto
Coagulando
E em meio a uma tempestade de areia
Vejo alguém a girar,
Girando no falso redemoinho da ampulheta.
Vi meu sangue na areia
Dei as costas para a porta.

Tenho areia nos olhos e uma cascata nas mãos
Por onde escapas de mim
Grão, grão, grão após grão
Girando mãos
Girando olhos
Girando uma tranca que, simplesmente... não.

''Um olho na fechadura,'' repete o eco
Mas tem de ser diferente!
Tende a ser referente:
O arame farpado que me isola de ti
Também cerca o meu horizonte
Não vejo campos, não vejo montes
Abre então a porta do teu desejo.


IV

A lua surgiu
E cobriu meus desertos.
Aqui e ali emergem espectros
Que fitam o sangue em minhas veias
E voltam a desaparecer nas areias.
Fechei os olhos,
E dentro de minha própria escuridão,
Adormeci.

Sonhei que a areia me cobria, e gritei!

Quis esmurrar a porta, como que possuído
Mas ela se transformou em fino cristal
Frágil demais para ser destruído.
Desaprendi o limite entre o sonho e o real
E brindei à dor do não concluído.
À minha volta, a paisagem se modifica
Os espectros me chamam para outra dimensão
E do outro lado da porta de cristal
Alguém sussurra o meu nome... em vão.
Em vão!


V

Um dia, parti de olhos vendados...
Estou fora dos desertos
As areias se transformaram em pó e cinzas
Junto com os princípios básicos da paixão
Repenso estroboscopicamente aquilo que vivi
Areia, ampulheta, abismos, gritos, gritos!

Um adeus às armas
Um impossível adeus às lágrimas
Um improvável adeus aos lugares-comuns.
Ora, boa noite!
Que surpresa vê-la aqui...
Para onde ir e de onde vir?

Inocência, deixe-me rir
Inocência, leve-me para longe dos desertos
Vastos e úmidos desertos
Cobertos por uma fina película de sangue
Sangue na areia
Uma rosa branca na areia
Ela está morta, e jamais gostou de rosas
Estou livre...
O céu se partiu, e está chovendo vidro.


http://eduardopenteado.blogspot.com.br/

Talismã

Waly Salomão

Minha boca saliva porque eu tenho fome
E essa fome é uma gula voraz que me traz cativa
Atrás do genuíno grão da alegria
Que destrói o tédio e restaura o sol

No coração do meu corpo um porta-jóia existe
Dentro dele um talismã sem par
Que anula o mesquinho, o feio e o triste
Mas que nunca resiste a quem bem o souber burilar

Sim, quem dentre todos vocês
Minha sorte quer comigo gozar?

Minha sede não é qualquer copo d'água que mata
Essa sede é uma sede que é sede do próprio mar
Essa sede é uma sede que só se desata
Se minha língua passeia sobre a pele bruta da areia

Sonho colher a flor da maré cheia vasta
Eu mergulho e não é ilusão, não, não é ilusão
Pois da flor de coral trago no colo a marca
Quando volto triunfante com a fronte coroada de sargaço e sal

Sim, quem dentre todos vocês
Minha sorte quer comigo gozar?
Sim, quem dentre todos vocês
Minha sorte quer comigo gozar?

quarta-feira, 18 de março de 2015

Vi, Não Vivi

Zélia Duncan

Primeira vez que eu te vi
Meu coração não fez clique
Se ouvi ou vi, não vivi
Seu clique, seu trique-trique
Não vi sushi, sashimi
Nem eros, nem afrodite
Primeira vez que eu te vi
Primeiro vi seus limites

Vi, não vivi
Não senti onda por ti, não senti
Nem o menor apetite
Não senti o tremelique
Senti
Não me deu onda por ti
Não vivi
Não senti frenesi
Nem o menor apetite
Não senti tremelique
Senti

Não vi nenhum colibri
Não vi sua "bad trip"
Sino batendo, não ouvi
Nem vi se havia convite
Sol, búzios, nós dois ali
Com ares de casal 20
Nem com os olhos comi
Nem "veni", nem "vidi" nem "vinci"

Vi, não vivi
Não senti onda por ti, não senti
Nem o menor apetite
Não senti o tremelique
Senti
Não me deu onda por ti
Não vivi
Não senti frenesi
Nem o menor apetite
Não senti tremelique
Senti

Primeira vez que eu te vi
Contive os meus palpites
Falei de rilke, leminski
Assim que vi seus grafites

Vi, não vivi
Não senti onda por ti, não senti
Nem o menor apetite
Não senti o tremelique
Senti
Não me deu onda por ti
Não vivi
Não senti frenesi
Nem o menor apetite
Não senti tremelique
Senti

Valeu

 Paulo Leminski

Dois namorados olhando o céu
Chegam a mesma conclusão
Mesmo que a terra não passe da próxima guerra
Terra, mesmo assim valeu
Valeu encharcar esse planeta de suor
Valeu esquecer das coisas que eu sei de cor
Valeu encarar essa vida que podia ser melhor

Valeu, valeu
Valeu, valeu
Valeu, valeu
Valeu, valeu

Dois namorados olhando o céu
Chegam a mesma conclusão
Mesmo que a terra não passe da próxima guerra
Terra, mesmo assim valeu
Valeu encharcar esse planeta de suor
Valeu esquecer das coisas que eu sei de cor
Valeu encarar essa vida que podia ser melhor
Valeu, valeu...

segunda-feira, 2 de março de 2015

Tão Longe Do Chão

Luis R. Santos

Deslizo pela noite adentro à procura de paz
serena-me a alma a voz branda de um riacho
haurido pela boca férvida do estio
nem uma palha se mexe e o calor é carrasco.

Na pele sinto
a sua boca chupando-me o suor
eu sei que as sanguessugas espiam-me o sangue
na água mergulho os pés e assim sirvo-lhes a ceia
são silenciosas como a morte.

O silêncio da noite assenta-me como coroa de louros
em cabeça imperial
sentado num trono de musgo eu comando a imaginação pelos céus
à conquista de um punhado de estrelas.

Assim adormeço com um sorriso nos lábios,
tão longe, tão longe do chão...
Alheio ao festim das sanguessugas
e à canção das águas gentis.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Maravilhas Banais

Gonzaguinha

Um gato olhando a vida 'través' da vitrine
Com certeza vai morrer de tédio
E médio, é morno, e chato, é banho-maria
Com certeza suicídio prévio
Arrisco e altero a batida do meu coração
Petisco e provo do gozo da mais pura emoção
Armadilhas, curvas da trilha, ilhas de amor
Fantasias
Viagem total nas possibilidades do absurdo total
Viver vegetal tão somente me desanima
Esquinas só servem se a gente dobrar
E esbarrar no que ainda não viu
Maravilhas banais - sempre iguais
sempre diferentes quentes + gentes
A ponte, o fonte, o santo elixir do futuro
as pessoas o banal mistério
O gato olhando a vida 'través' da vitrine
é piada e é assunto sério.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Tristeza


Fernanda Young

Ora, tristeza, tente ao menos ser mais leve.
Quero de volta meus discos de dance music
que você tirou da prateleira.

E minhas roupas estampadas
que sumiram do meu armário
depois que você se instalou aqui.

Por favor, não tente entrar em contato comigo
com as velhas razões de sempre.
Não é a fria lógica dos seus argumentos
que irá guiar meu coração daqui por diante.

Quero ver a vida por outros olhos,
que não os seus.
Quero beber por outros motivos,
que não afogar você dentro de mim.

Cansei da sua falta de senso de humor
do seu excesso de zelo.
Vá resolver suas carências em outro endereço. 

Deve Chamar Tristeza

Fernando Pessoa

Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.

Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Canção De Mim Mesmo

Walt Whitman

1.

Eu celebro o eu, num canto de mim mesmo,
E aquilo que eu presumir também presumirás,
Pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti.

Descanso e convido a minha alma,
Deito-me e descanso tranqüilamente,
observando uma haste da relva de verão.

Minha língua, todo átomo do meu sangue formado deste solo, deste ar,
Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais o mesmo
e seus pais também o mesmo,
Eu agora com trinta e sete anos de idade,
com saúde perfeita, dou início,
Com a esperança de não cessar até morrer.

Crenças e escolas quedam-se dormentes
Retraindo-se por hora na suficiência do que não, mas nunca esquecidas,
Eu me refugio pelo bem e pelo mal,
eu permito que se fale em qualquer casualidade,
A natureza sem estorvo, com energia original.

2.

Casas e cômodos cheios de perfumes,
prateleiras apinhadas de perfumes,
Eu mesmo respiro a fragrância, a reconheço e com ela me deleito,
A essência bem poderia inebriar-me, mas não permitirei.

A atmosfera não é um perfume,
mas tem o gosto da essência, não tem odor,
Existe para a minha boca, eternamente; estou por ela apaixonado
Irei até a colina próxima da floresta,
despir-me-ei de meu disfarce e ficarei nu,
Estou louco para que ela entre em contato comigo.

A fumaça da minha própria respiração,Ecos, sussurros,
murmúrios vagos, amor de raiz, fio de seda, forquilha e vinha,
Minha expiração e inspiração, a batida do meu coração,
a passagem de sangue e de ar através de meus pulmões,
O odor das folhas verdes e de folhas ressecadas,
da praia e das pedras escuras do mar, e de palha no celeiro,
O som das palavras expelidas de minha voz aos remoinhos do vento,

Alguns beijos leves, alguns abraços, o envolvimento de um abraço,
A dança da luz e a sombra nas árvores,
à medida que se agitam os ramos flexíveis,
O deleite na solidão ou na correria das ruas, ou nos campos e colinas,
O sentimento de saúde, o gorjeio do meio-dia,
a canção de mim mesmo erguendo-se da cama e encontrando o sol.

Achaste que mil acres são demais? Achaste a terra grande demais?
Praticaste tanto para aprender a ler?
Sentiste tanto orgulho por entenderes o sentido dos poemas?

Fica esta noite e este dia comigo
e será tua a origem de todos os poemas,
Será teu o bem da terra e do sol (há milhões de sóis para encontrar),
Não possuíras coisa alguma de segunda ou de terceira mão,
nem enxergarás através do olhos de quem já morreu,
nem te alimentarás outra vez dos fantasmas que há nos livros.
Do mesmo modo não verás mais através de meus olhos,
nem tampouco receberás coisa alguma de mim,
Ouvirás o que vem de todos os lados e saberás filtrar tudo por ti mesmo.

3.

Eu ouvi a conversa dos falantes,
a conversa sobre o início e sobre o fim,
Mas não falo nem do início nem do fim.

Nunca houve mais iniciativa do que há agora,
Nem mais juventude ou idade do que há agora,
E jamais haverá mais perfeição do que há agora,
Nem mais paraíso ou inferno do que há agora,
O anseio, o anseio, o anseio,
Sempre o anseio procriador do mundo.

Na obscuridade a oposição equivale ao avanço,
sempre substância e acréscimo, sempre o sexo,
Sempre um nó de identidade, sempre distinção,
 sempre uma geração de vida.
Não vale elaborar, eruditos e ignorantes sentem que é assim.

Certeza tal como a mais certa certeza,
aprumados em nossa verticalidade, bem fixados, suportados em vigas,
Robustos como um cavalo, afetuosos, altivos, elétricos,
Eu e este mistério aqui estamos, de pé.

Clara e doce é minha alma e claro
e doce é tudo aquilo que não é minha alma.

Faltando um falta o outro, e o invisível é provado pelo visível
Até que este se torne invisível e receba a prova por sua vez.

Apresentando o melhor e isolando do pior, a idade agasta a idade,
Conhecendo a adequação e a eqüanimidade das coisas,
enquanto eles discutem eu mantenho-me em silêncio
e vou me banhar e admirar a mim mesmo.

Bem-vindo é todo órgão e atributo de mim,
e também os de todo homem cordial e limpo.
Nenhuma polegada ou qualquer partícula de uma polegada é vil
e nenhum será menos familiar que o resto.

Estou satisfeito vejo, danço, rio, canto;
Quando o companheiro amoroso dorme abraçado a mim a noite inteira
e depois vai embora ao raiar do dia com passos silenciosos,
Deixando-me cestas cobertas com toalhas brancas
enchendo a casa com sua exuberância,
Devo adiar minha aceitação e compreensão e gritar pelos meus olhos,
Para que deixem de fitar a estrada ao longe e para além dela
E imediatamente calculem e mostrem-me para um centavo,
O valor exato de um e o valor exato de dois, e o que está à frente?

4.

Traiçoeiros e curiosos estão à minha volta
Pessoas com quem me encontro,
os efeitos que a minha infância tem sobre mim,
ou o bairro e a cidade em que vivo, ou a nação,
As últimas datas, descobertas, invenções, sociedades,
autores antigos e novos,
Meu jantar, roupas, amigos, olhares, cumprimentos, dívidas,
A indiferença real ou fantasiosa de um homem ou mulher que eu amo,
A doença de alguém de minha gente ou de mim mesmo,
ou ato doentio, ou perda ou falta de dinheiro, depressões ou exaltações,
Batalhas, os horrores da guerra fratricida,
a febre de notícias duvidosas, os terríveis eventos;
Essas imagens vêm a mim dia e noite, e partem de mim outra vez,
Mas não são o meu verdadeiro Ser.

Longe do que puxa e do que arrasta, ergue-se o que de fato eu sou,
Ergue-se divertido, complacente, compassivo, ocioso, unitário,
Olha para baixo, está ereto,
ou descansa o braço sobre certo apoio impalpável,
Olhando com a cabeça pendida para o lado,
curioso sobre o que está por vir,
Tanto dentro como fora do jogo, e o assistindo, e intrigado por ele.

No passado vejo meus próprios dias
quando suei através do nevoeiro com lingüistas e contendores,
Não trago zombarias ou argumentos, apenas testemunho e aguardo.

A Morte

Cruz e Sousa

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.

Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro a baixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Ironia De Lágrimas

Cruz e Sousa

Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Copacabana


Vinícius de Morais

Esta é Copacabana, ampla laguna
Curva e horizonte, arco de amor vibrando
Suas flechas de luz contra o infinito.
Aqui meus olhos desnudaram estrelas
Aqui meus braços discursaram à lua
Desabrochavam feras dos meus passos
Nas florestas de dor que percorriam.
Copacabana, praia de memórias!
Quantos êxtases, quantas madrugadas
Em teu colo marítimo!

 - Esta é a areia

Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas
- Aquele é o bar maldito. Podes ver
Naquele escuro ali? É um obelisco
De treva - cone erguido pela noite
Para marcar por toda a eternidade
O lugar onde o poeta foi perjuro.
Ali tombei, ali beijei-te ansiado
Como se a vida fosse terminar
Naquele louco embate. Ali cantei
À lua branca, cheio de bebida
Ali menti, ali me ciliciei
Para gozo da aurora pervertida.

Sobre o banco de pedra que ali tens
Nasceu uma canção. Ali fui mártir
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo
Aqui encontrarás minhas pegadas
E pedaços de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu. Num grito de socorro
Entreouvido na noite, ali estou eu.
No eco longínquo e áspero do morro
Ali estou eu. Vês tu essa estrutura
De apartamento como uma colmeia
Gigantesca? em muitos penetrei
Tendo a guiar-me apenas o perfume
De um sexo de mulher a palpitar
Como uma flor carnívora na treva.
Copacabana! ah, cidadela forte
Desta minha paixão! a velha lua
Ficava de seu nicho me assistindo
Beber, e eu muita vez a vi luzindo
No meu copo de uísque, branca e pura
A destilar tristeza e poesia.
Copacabana! réstia de edifícios
Cujos nomes dão nome ao sentimento!
Foi no Leme que vi nascer o vento
Certa manhã, na praia. Uma mulher
Toda de negro no horizonte extremo
Entre muitos fantasmas me esperava:
A moça dos antúrios, deslembrada
A senhora dos círios, cuja alcova
O piscar do farol iluminava
Como a marcar o pulso da paixão
Morrendo intermitentemente. E ainda
Existe em algum lugar um gesto alto,
Um brilhar de punhal, um riso acústico
Que não morreu. Ou certa porta aberta
Para a infelicidade: inesquecível
Frincha de luz a separar-me apenas
Do irremediável. Ou o abismo aberto
Embaixo, elástico, e o meu ser disperso
No espaço em torno, e o vento me chamando
Me convidando a voar... (Ah, muitas mortes
Morri entre essas máquinas erguidas
Contra o Tempo!) Ou também o desespero
De andar como um metrônomo para cá
E para lá, marcando o passo do impossível
À espera do segredo, do milagre
Da poesia.

Tu, Copacabana,
Mais que nenhuma outra foste a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mas suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível.


Poema Dos Olhos Da Amada

Vinicius de Moraes , Paulo Soledade

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Más Línguas

Itamar Assumpção

Como diriam más línguas
Antes dos trinta é encrenca
Só queima a fita, só mingua
Bom só depois dos cinquenta

Antes não pinta, não vinga
Não pega, sequer esquenta
Não se afinca, só gruda
E coisa tão madorrenta

Não se entrega, não liga
Se brinca só atormenta
Antes dos trinta não trinca
Bom só depois dos sessenta

Como diriam más línguas
Antes dos trinta não conta
Lem de nunca dar trégua
No máximo só apronta

Não se conforma, complica
Excesso de adrenalina
Carrega o rei na barriga
Acha que tudo domina

Pensa que a vida é cinema
Que passa da câmera lenta
Antes dos trinta é problema
Bom só depois dos setenta

Até sessenta setenta
Depois dos setenta sessenta

sábado, 3 de janeiro de 2015

Dor Elegante

Itamar Assumpção e Paulo Leminski

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra