Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Maravilhas Banais

Gonzaguinha

Um gato olhando a vida 'través' da vitrine
Com certeza vai morrer de tédio
E médio, é morno, e chato, é banho-maria
Com certeza suicídio prévio
Arrisco e altero a batida do meu coração
Petisco e provo do gozo da mais pura emoção
Armadilhas, curvas da trilha, ilhas de amor
Fantasias
Viagem total nas possibilidades do absurdo total
Viver vegetal tão somente me desanima
Esquinas só servem se a gente dobrar
E esbarrar no que ainda não viu
Maravilhas banais - sempre iguais
sempre diferentes quentes + gentes
A ponte, o fonte, o santo elixir do futuro
as pessoas o banal mistério
O gato olhando a vida 'través' da vitrine
é piada e é assunto sério.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Tristeza


Fernanda Young

Ora, tristeza, tente ao menos ser mais leve.
Quero de volta meus discos de dance music
que você tirou da prateleira.

E minhas roupas estampadas
que sumiram do meu armário
depois que você se instalou aqui.

Por favor, não tente entrar em contato comigo
com as velhas razões de sempre.
Não é a fria lógica dos seus argumentos
que irá guiar meu coração daqui por diante.

Quero ver a vida por outros olhos,
que não os seus.
Quero beber por outros motivos,
que não afogar você dentro de mim.

Cansei da sua falta de senso de humor
do seu excesso de zelo.
Vá resolver suas carências em outro endereço. 

Deve Chamar Tristeza

Fernando Pessoa

Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.

Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Canção De Mim Mesmo

Walt Whitman

1.

Eu celebro o eu, num canto de mim mesmo,
E aquilo que eu presumir também presumirás,
Pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti.

Descanso e convido a minha alma,
Deito-me e descanso tranqüilamente,
observando uma haste da relva de verão.

Minha língua, todo átomo do meu sangue formado deste solo, deste ar,
Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais o mesmo
e seus pais também o mesmo,
Eu agora com trinta e sete anos de idade,
com saúde perfeita, dou início,
Com a esperança de não cessar até morrer.

Crenças e escolas quedam-se dormentes
Retraindo-se por hora na suficiência do que não, mas nunca esquecidas,
Eu me refugio pelo bem e pelo mal,
eu permito que se fale em qualquer casualidade,
A natureza sem estorvo, com energia original.

2.

Casas e cômodos cheios de perfumes,
prateleiras apinhadas de perfumes,
Eu mesmo respiro a fragrância, a reconheço e com ela me deleito,
A essência bem poderia inebriar-me, mas não permitirei.

A atmosfera não é um perfume,
mas tem o gosto da essência, não tem odor,
Existe para a minha boca, eternamente; estou por ela apaixonado
Irei até a colina próxima da floresta,
despir-me-ei de meu disfarce e ficarei nu,
Estou louco para que ela entre em contato comigo.

A fumaça da minha própria respiração,Ecos, sussurros,
murmúrios vagos, amor de raiz, fio de seda, forquilha e vinha,
Minha expiração e inspiração, a batida do meu coração,
a passagem de sangue e de ar através de meus pulmões,
O odor das folhas verdes e de folhas ressecadas,
da praia e das pedras escuras do mar, e de palha no celeiro,
O som das palavras expelidas de minha voz aos remoinhos do vento,

Alguns beijos leves, alguns abraços, o envolvimento de um abraço,
A dança da luz e a sombra nas árvores,
à medida que se agitam os ramos flexíveis,
O deleite na solidão ou na correria das ruas, ou nos campos e colinas,
O sentimento de saúde, o gorjeio do meio-dia,
a canção de mim mesmo erguendo-se da cama e encontrando o sol.

Achaste que mil acres são demais? Achaste a terra grande demais?
Praticaste tanto para aprender a ler?
Sentiste tanto orgulho por entenderes o sentido dos poemas?

Fica esta noite e este dia comigo
e será tua a origem de todos os poemas,
Será teu o bem da terra e do sol (há milhões de sóis para encontrar),
Não possuíras coisa alguma de segunda ou de terceira mão,
nem enxergarás através do olhos de quem já morreu,
nem te alimentarás outra vez dos fantasmas que há nos livros.
Do mesmo modo não verás mais através de meus olhos,
nem tampouco receberás coisa alguma de mim,
Ouvirás o que vem de todos os lados e saberás filtrar tudo por ti mesmo.

3.

Eu ouvi a conversa dos falantes,
a conversa sobre o início e sobre o fim,
Mas não falo nem do início nem do fim.

Nunca houve mais iniciativa do que há agora,
Nem mais juventude ou idade do que há agora,
E jamais haverá mais perfeição do que há agora,
Nem mais paraíso ou inferno do que há agora,
O anseio, o anseio, o anseio,
Sempre o anseio procriador do mundo.

Na obscuridade a oposição equivale ao avanço,
sempre substância e acréscimo, sempre o sexo,
Sempre um nó de identidade, sempre distinção,
 sempre uma geração de vida.
Não vale elaborar, eruditos e ignorantes sentem que é assim.

Certeza tal como a mais certa certeza,
aprumados em nossa verticalidade, bem fixados, suportados em vigas,
Robustos como um cavalo, afetuosos, altivos, elétricos,
Eu e este mistério aqui estamos, de pé.

Clara e doce é minha alma e claro
e doce é tudo aquilo que não é minha alma.

Faltando um falta o outro, e o invisível é provado pelo visível
Até que este se torne invisível e receba a prova por sua vez.

Apresentando o melhor e isolando do pior, a idade agasta a idade,
Conhecendo a adequação e a eqüanimidade das coisas,
enquanto eles discutem eu mantenho-me em silêncio
e vou me banhar e admirar a mim mesmo.

Bem-vindo é todo órgão e atributo de mim,
e também os de todo homem cordial e limpo.
Nenhuma polegada ou qualquer partícula de uma polegada é vil
e nenhum será menos familiar que o resto.

Estou satisfeito vejo, danço, rio, canto;
Quando o companheiro amoroso dorme abraçado a mim a noite inteira
e depois vai embora ao raiar do dia com passos silenciosos,
Deixando-me cestas cobertas com toalhas brancas
enchendo a casa com sua exuberância,
Devo adiar minha aceitação e compreensão e gritar pelos meus olhos,
Para que deixem de fitar a estrada ao longe e para além dela
E imediatamente calculem e mostrem-me para um centavo,
O valor exato de um e o valor exato de dois, e o que está à frente?

4.

Traiçoeiros e curiosos estão à minha volta
Pessoas com quem me encontro,
os efeitos que a minha infância tem sobre mim,
ou o bairro e a cidade em que vivo, ou a nação,
As últimas datas, descobertas, invenções, sociedades,
autores antigos e novos,
Meu jantar, roupas, amigos, olhares, cumprimentos, dívidas,
A indiferença real ou fantasiosa de um homem ou mulher que eu amo,
A doença de alguém de minha gente ou de mim mesmo,
ou ato doentio, ou perda ou falta de dinheiro, depressões ou exaltações,
Batalhas, os horrores da guerra fratricida,
a febre de notícias duvidosas, os terríveis eventos;
Essas imagens vêm a mim dia e noite, e partem de mim outra vez,
Mas não são o meu verdadeiro Ser.

Longe do que puxa e do que arrasta, ergue-se o que de fato eu sou,
Ergue-se divertido, complacente, compassivo, ocioso, unitário,
Olha para baixo, está ereto,
ou descansa o braço sobre certo apoio impalpável,
Olhando com a cabeça pendida para o lado,
curioso sobre o que está por vir,
Tanto dentro como fora do jogo, e o assistindo, e intrigado por ele.

No passado vejo meus próprios dias
quando suei através do nevoeiro com lingüistas e contendores,
Não trago zombarias ou argumentos, apenas testemunho e aguardo.

A Morte

Cruz e Sousa

Oh! que doce tristeza e que ternura
No olhar ansioso, aflito dos que morrem…
De que âncoras profundas se socorrem
Os que penetram nessa noite escura!

Da vida aos frios véus da sepultura
Vagos momentos trêmulos decorrem…
E dos olhos as lágrimas escorrem
Como faróis da humana Desventura.

Descem então aos golfos congelados
Os que na terra vagam suspirando,
Com os velhos corações tantalizados.

Tudo negro e sinistro vai rolando
Báratro a baixo, aos ecos soluçados
Do vendaval da Morte ondeando, uivando…

Ironia De Lágrimas

Cruz e Sousa

Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura…
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Copacabana


Vinícius de Morais

Esta é Copacabana, ampla laguna
Curva e horizonte, arco de amor vibrando
Suas flechas de luz contra o infinito.
Aqui meus olhos desnudaram estrelas
Aqui meus braços discursaram à lua
Desabrochavam feras dos meus passos
Nas florestas de dor que percorriam.
Copacabana, praia de memórias!
Quantos êxtases, quantas madrugadas
Em teu colo marítimo!

 - Esta é a areia

Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas
- Aquele é o bar maldito. Podes ver
Naquele escuro ali? É um obelisco
De treva - cone erguido pela noite
Para marcar por toda a eternidade
O lugar onde o poeta foi perjuro.
Ali tombei, ali beijei-te ansiado
Como se a vida fosse terminar
Naquele louco embate. Ali cantei
À lua branca, cheio de bebida
Ali menti, ali me ciliciei
Para gozo da aurora pervertida.

Sobre o banco de pedra que ali tens
Nasceu uma canção. Ali fui mártir
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo
Aqui encontrarás minhas pegadas
E pedaços de mim por cada canto.
Numa gota de sangue numa pedra
Ali estou eu. Num grito de socorro
Entreouvido na noite, ali estou eu.
No eco longínquo e áspero do morro
Ali estou eu. Vês tu essa estrutura
De apartamento como uma colmeia
Gigantesca? em muitos penetrei
Tendo a guiar-me apenas o perfume
De um sexo de mulher a palpitar
Como uma flor carnívora na treva.
Copacabana! ah, cidadela forte
Desta minha paixão! a velha lua
Ficava de seu nicho me assistindo
Beber, e eu muita vez a vi luzindo
No meu copo de uísque, branca e pura
A destilar tristeza e poesia.
Copacabana! réstia de edifícios
Cujos nomes dão nome ao sentimento!
Foi no Leme que vi nascer o vento
Certa manhã, na praia. Uma mulher
Toda de negro no horizonte extremo
Entre muitos fantasmas me esperava:
A moça dos antúrios, deslembrada
A senhora dos círios, cuja alcova
O piscar do farol iluminava
Como a marcar o pulso da paixão
Morrendo intermitentemente. E ainda
Existe em algum lugar um gesto alto,
Um brilhar de punhal, um riso acústico
Que não morreu. Ou certa porta aberta
Para a infelicidade: inesquecível
Frincha de luz a separar-me apenas
Do irremediável. Ou o abismo aberto
Embaixo, elástico, e o meu ser disperso
No espaço em torno, e o vento me chamando
Me convidando a voar... (Ah, muitas mortes
Morri entre essas máquinas erguidas
Contra o Tempo!) Ou também o desespero
De andar como um metrônomo para cá
E para lá, marcando o passo do impossível
À espera do segredo, do milagre
Da poesia.

Tu, Copacabana,
Mais que nenhuma outra foste a arena
Onde o poeta lutou contra o invisível
E onde encontrou enfim sua poesia
Talvez pequena, mas suficiente
Para justificar uma existência
Que sem ela seria incompreensível.


Poema Dos Olhos Da Amada

Vinicius de Moraes , Paulo Soledade

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Más Línguas

Itamar Assumpção

Como diriam más línguas
Antes dos trinta é encrenca
Só queima a fita, só mingua
Bom só depois dos cinquenta

Antes não pinta, não vinga
Não pega, sequer esquenta
Não se afinca, só gruda
E coisa tão madorrenta

Não se entrega, não liga
Se brinca só atormenta
Antes dos trinta não trinca
Bom só depois dos sessenta

Como diriam más línguas
Antes dos trinta não conta
Lem de nunca dar trégua
No máximo só apronta

Não se conforma, complica
Excesso de adrenalina
Carrega o rei na barriga
Acha que tudo domina

Pensa que a vida é cinema
Que passa da câmera lenta
Antes dos trinta é problema
Bom só depois dos setenta

Até sessenta setenta
Depois dos setenta sessenta