Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Estâncias Para Música

LORD BYRON

Lord Byron

Alegria não há que o mundo dê, como a que tira.
Quando, do pensamento de antes, a paixão expira
Na triste decadência do sentir;
Não é na jovem face apenas o rubor
Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor
Vai-se antes de que a própria juventude possa ir.

Alguns cuja alma bóia no naufrágio da ventura
Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados;
O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura
Praia que nunca atingirão os panos lacerados.

Então, frio mortal da alma, como a noite desce;
Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar;
toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar;
Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece.

Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada,
Na meia-noite já sem esperança de repouso:
É como na hera em torno de uma torre já arruinada,
Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso.

Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas,
Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto;
Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas:
No ermo da vida assim seria para mim o pranto.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Noturno Vulgar

Rimbaud

Um sopro abre fendas operádicas nas paredes, - embaralha o eixo dos tetos podres, - dispersa os limites das lareiras, - eclipsa vidraças. - Pelas videiras, apoiando o pé numa gárgula, - desci nesse côche de uma época bem indicada pelos espelhos convexos, almofadas bojudas e sofás distorcidos.
Carro funerário do meu sono, solitário, casa de pastor de minha tolice, o veículo vira sobre o mato da grande estrada desaparecida: e num defeito no alto do espelho, à direita, giram pálidas figuras lunares, folhas, seios; - Um verde e um azul escuros invadem a imagem. Desatrelagem perto de uma mancha de cascalho.
- Aqui vão assobiar às tempestades, e às Sodomas, - e às Solimas, - e aos animais ferozes e aos exércitos, - (Postilhões e animais de sonho vão voltar sob as matas mais sufocantes para me afogar até os olhos na nascente de seda) - E a nos enviar, açoitados por ondas crispadas e bebidas derramadas, rolando entre latidos de dogues...
- Um sopro dispersa os limites da lareira

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Senhoras Do Amazonas

João Bosco

Rio, vim saber de ti
E viVi teu tropical sem fim
Quadrou de ser um mar
Longe Anhangá
Tantas cunhãs e eu curumim
O uirapuru(Oh lua azul)
Cantou pra mim
Rio, vim saber de ti
Meu mar
Negro maracá-jari
Pará, Paris jardim
Muiraquitãs
Tantas manhãs - nós no capim
Jurupari(Oh Deus daqui)
Jurou assim:
- Por que fugir se enfim me queres?
Só me feriu como me feres
A mais civilizada
Senhoras do Amazonas que sois
Donas dos homens e das setas
Por que já não amais vossos poetas

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Vamos À Luta

Gonzaguinha

Eu acredito
É na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Eu ponho fé
É na fé da moçada
Que não foge da fera
E enfrenta o leão
Eu vou à luta
É com essa juventude
Que não corre da raia
À troco de nada
Eu vou no bloco
Dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói
A manhã desejada...(2x)

Aquele que sabe que é negro
O coro da gente
E segura a batida da vida
O ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco
De um jogo tão duro
E apesar dos pesares
Ainda se orgulha
De ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
Entra no botequim
Pede uma cerva gelada
E agita na mesa
Uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira
Suada da luta
E faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelaí...
Acredito
É na rapaziada
Que segue em frente
E segura o rojão
Eu ponho fé
É na fé da moçada
Que não foge da fera
E enfrenta o leão
Eu vou à luta
É com essa juventude
Que não corre da raia
À troco de nada
Eu vou no bloco
Dessa mocidade
Que não tá na saudade
E constrói
A manhã desejada...
Aquele que sabe que é negro
O coro da gente
E segura a batida da vida
O ano inteiro
Aquele que sabe o sufoco
De um jogo tão duro
E apesar dos pesares
Ainda se orgulha
De ser brasileiro
Aquele que sai da batalha
Entra no botequim
Pede uma cerva gelada
E agita na mesa logo
Uma batucada
Aquele que manda o pagode
E sacode a poeira
Suada da luta
E faz a brincadeira
Pois o resto é besteira
E nós estamos pelaí
Eu acredito
É na rapaziada!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Lenora

Edgar Allan Poe

Ah! foi partida a taça de ouro! o espírito fugiu!
Que dobre o sino! Uma alma santa já cruza o Estígio rio!
E tu não choras, Guy de Vere? Venha teu pranto agora,
ou nunca mais! No rude esquife jaz teu amor, Lenora!
Leiam-se os ritos funerários e o último canto se ouça,
um hino à rainha dentre as mortas, a que morreu mais moça.
E duplamente ela morreu, por que morreu tão moça!

"Pela riqueza a amastes, míseros, o seu orgulho odiando,
e, doente, a bendissestes, quando a morte ia chegando.
E como, então, lereis o rito? Os cantos de repouso
entoareis vós, olhar do mal? Vós, o verbo aleivoso,
que o fim trouxestes à existência tão jovem da inocência?

"Peccavimus; mas não se irrites! O réquiem tão solene
e embalador ascenda aos céus, que a morta já não pene!
Para aguardar-te ela se foi, tendo ao lado a Esperança
e tu ficaste, louco e só, chorando a noiva criança,
meiga e formosa, que ali jaz, magnífica, sem par,
com a vida em seus cabelos de ouro, mas não em seu olhar,
com a vida em seus cabelos, sim, e a morte em seu olhar.

"Ide! Meu coração não pesa! Sem canto funeral,
quero seguir o anjo em seu vôo com um velho hino triunfal.
Não dobre mais o sino! que a alma em seu prazer sagrado
não o ouça, triste, ao ir deixando o mundo amaldiçoado.
Ela se arranca aos vis demônios da terra e sobe aos céus.
Do inferno, à altura se conduz e lá, na luz dos céus,
livre do mal, da dor, se assenta num trono, aos pés de Deus!"

Palavras Que Choram

Madalena Santos

Palavras que chorampalavras que choram
são lágrimas que caem
são sentimentos que no coração moram
são sentimentos que do coração saem.
é dor que sai do nosso coração
é paz que alivia a nossa alma
é o fim de um furacão
e o começar da calma.
é sossego que invade o nosso ser
é vazio que se sente no peito
são lágrimas pelo rosto a escorrer
por algum mal que nos foi feito.
lágrimas que caem
são sentimentos que no coração moram
e que quando do coração saem
são palavras que choram.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Da Sedução Dos Anjos

Berthold Brecht

Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P'ra que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cú
Manda-o tocar-te os guizos atrevidos
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Tristezas De Um Quarto Minguante

Augusto Dos Anjos

Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,
Este Engenho Pau d'Arco é muito triste...
Nos engenhos da várzea não existe
Talvez um outro que se lhe equipare!
Do observatório em que eu estou situado
A lua magra, quando a noite cresce,
Vista, através do vidro azul, parece
Um paralelepípedo quebrado!
O sono esmaga o encéfalo do povo.
Tenho 300 quilos no epigastro...
Dói-me a cabeça. Agora a cara do astro
Lembra a metade de uma casca de ovo.
Diabo! não ser mais tempo de milagre!
Para que esta opressão desapareça
Vou amarrar um pano na cabeça,
Molhar a minha fronte com vinagre.
Aumentam-se-me então os grandes medos.
O hemisfério lunar se ergue e se abaixa
Num desenvolvimento de borracha,
Variando à ação mecânica dos dedos!
Vai-me crescendo a aberração do sonho.
Morde-me os nervos o desejo doudo
De dissolver-me, de enterrar-me todo
Naquele semicírculo medonho!
Mas tudo isto é ilusão de minha parte!
Quem sabe se não é porque não saio
Desde que, 6ª feira, 3 de maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!
A lâmpada a estirar línguas vermelhas
Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,
Como um degenerado psicopata
Eis-me a contar o número das telhas!
- Uma, duas, três, quatro... E aos tombos, tonta
Sinto a cabeça e a conta perco; e, em suma,
A conta recomeço, em ânsias: - Uma...
Mas novamente eis-me a perder a conta!
Sucede a uma tontura outra tontura.
- Estarei morto?! E a esta pergunta estranha
Reponde a Vida - aquela grande aranha
Que anda tecendo a minha desventura! -
A luz do quarto diminuindo o brilho
Segue todas as fases de um eclipse...
Começo a ver coisas de Apocalipse
No triângulo escaleno do ladrilho!
Deito-me enfim. Ponho o chapéu num gancho.
Cinco lençóis balançam numa corda,
Mas aquilo mortalhas me recorda,
E o amontoamento dos lençóis desmancho.
Vêm-me à imaginação sonhos dementes.
Acho-me, por exemplo, numa festa...
Tomba uma torre sobre a minha testa,
Caem-me de uma só vez todos os dentes!
Então dois ossos roídos me assombraram...
- "Por ventura haverá quem queira roer-nos?!
Os vermes já não querem mais comer-nos
E os formigueiros já nos desprezaram".
Figuras espectrais de bocas tronchas
Tornam-me o pesadelo duradouro...
Choro e quero beber a água do choro
Com as mãos dispostas à feição de conchas.
Tal uma planta aquática submersa,
Antegozando as últimas delícias
Mergulho as mãos - vis raízes adventícias -
No algodão quente de um tapete persa.
Por muito tempo rolo no tapete,
Súbito me ergo. A lua é morta. Um frio
Cai sobre o meu estômago vazio
Como se fosse um copo de sorvete!
A alta frialdade me insensibiliza;
O suor me ensopa. Meu tormento é infindo...
Minha família ainda está dormindo
E eu não posso pedir outra camisa!
Abro a janela. Elevam-se fumaças
Do engenho enorme. A luz fulge abundante
E em vez do sepulcral Quarto Minguante
Vi que era o sol batendo nas vidraças.
Pelos respiratórios tênues tubos
Dos poros vegetais, no ato da entrega
Do mato verde, a terra resfolega
Estrumada, feliz, cheia de adubos.
Côncavo, o céu, radiante e estriado, observa
A universal criação. Broncos e feios,
Vários reptis cortam os campos, cheios
Dos tenros tinhorões e da úmida erva.
Babujada por baixos beiços brutos,
No húmus feraz, hierática, se ostenta
A monarquia da árvore opulenta
Que dá aos homens o óbolo dos frutos.
De mim diverso, rígido e de rastos
Com a solidez do tegumento sujo
Sulca, em diâmetro, o solo um caramujo
Naturalmente pelos mata-pastos.
Entretanto, passei o dia inquieto,
A ouvir, nestes bucólicos retiros,
Toda a salva fatal de 21 tiros
Que festejou os funerais de Hamleto!
Ah! Minha ruína é pior do que a de Tebas!
Quisera ser, numa última cobiça,
A fatia esponjosa de carniça
Que os corvos comem sobre as jurubebas!
Porque, longe do pão com que me nutres
Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me
[exortas
Eu estaria como as bestas mortas
Pendurado no bico dos abutres!

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Fico Assim Sem Você

Abdullah / Cacá Moraes

Avião sem asa
Fogueira sem brasa
Sou eu, assim, sem você

Futebol sem bola
Piu-piu sem Frajola
Sou eu, assim, sem você...

Porque é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim

Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim...

Amor sem beijinho
Buchecha sem Claudinho
Sou eu, assim, sem você

Circo sem palhaço
Namoro sem amasso
Sou eu, assim, sem você...

Tô louca pra te ver chegar
Tô louca pra te ter nas mãos

Deitar no teu abraço
Retomar o pedaço
Que falta no meu coração...

Eu não existo longe de você
E a solidão, é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo...

Por quê? Por quê?

Neném sem chupeta
Romeu sem Julieta
Sou eu, assim, sem você

Carro sem estrada
Queijo sem goiabada
Sou eu, assim, sem você...

Porque é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim

Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim...

Eu não existo longe de você
E a solidão, é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Fragmentos

MAIAKOVSKI

Maiakóviski

Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos
despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto
no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e
que a prata dos anos tinja seu perdão
penso
e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso

2

Passa da uma
você deve estar na cama
Você talvez
sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
Para que acordar-te
com o
relâmpago
de mais um telegrama

3

O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano

4

Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo

5

Sei o puldo das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça.

(tradução: Augusto de Campos)

domingo, 28 de setembro de 2008

Coração Leviano

Paulinho da Viola

Trama em segredo teus planos
Parte sem dizer adeus
Nem lembra dos meus desenganos
Fere quem tudo perdeu

Ah coração leviano não sabe o que fez do meu
Ah coração leviano não sabe o que fez do meu (mas trama)
Este pobre navegante meu coração amante

Enfrentou a tempestade
No mar da paixão e da loucura
Fruto da minha aventura
Em busca da felicidade

Ah coração teu engano foi esperar por um bem
De um coração leviano que nunca será de ninguém

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A Guerra

Fernando Pessoa

A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo,
É o tipo perfeito do erro da filosofia.
A guerra, como todo humano, quer alterar.
Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito
E alterar depressa.
Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
Tendo por conseqüência a morte, a guerra prova que é falsa.
Sendo falsa, prova que é falso todo o querer alterar.
Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza
os pôs.
Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer cousas, deixar rasto.
Para o coração e o comandante dos esquadrões
Regressa aos bocados o universo exterior.
A química direta da Natureza
Não deixa lugar vago para o pensamento.
A humanidade é uma revolta de escravos.
A humanidade é um governo usurpado pelo povo.
Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito.
Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural!
Paz a todas as cousas pré-humanas, mesmo no homem!
Paz à essência inteiramente exterior do Universo!

sábado, 13 de setembro de 2008

Lenda

Arrigo Barnabé / Eduardo Gudin / Hermelino Néder / Roberto Riberti

Onde mora o sonho
E a lua é o lustre de cristal.
Tem um rei risonho que aboliu
o bem e o mal.

Pôs em seu lugar mil pássaros de cor.
Que num gorjear
Secam qualquer lágrima de dor.

Um rei popular, rei da poesia e das canções.
E seu terno olhar são dois pequenos corações.
Como fui chegar nesse incrível país.
Sei que precisava de estar um pouco só feliz.

Era uma tormenta a atormentar em vão.
Um desespero cheirando à paixão.

Quarto de espelhos que queriam me tragar.
Então qual claridade que põe-se a vazar.
De uma janela num amanhecer.
Pude ler essa lenda em você.

Jardim Das Gueixas

Cabine C

Sentado em cima da pedra vejo clarões no céu.
Os sonhos que já sonhei encontro nesse lugar.
Entre orquídeas e pontes cores a decifrar.
Jardim das Gueixas, o sonho leva às minhas mãos.

Os tigres que já enfrentei agora cuidam de mim.
As mãos que pegam nas minhas me convidam pra ver.
Os raios de um sol: Cor passando pelos vitrais.
Jardim das Gueixas, o sonho leva às minhas mãos.

Jardim das Gueixas, o sonho leva às minhas mãos.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Provérbios Do Inferno

William Blake

O matrimônio do Céu e do Inferno:

No tempo da semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado por sobre os ossos dos mortos.
A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma solteirona rica e feia, cortejada pela Impotência.
Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.
O verme partido perdoa ao arado.
Mergulha no rio quem gosta de água.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio.
Aquele, cujo rosto não se ilumina, jamais há de ser uma estrela.
A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.
A abelha atarefada não tem tempo para tristezas.
As horas de loucura são medidas pelo relógio; mas nenhum relógio mede as de sabedoria.
Os alimentos sadios não são apanhados com armadilhas ou redes.
Torna do número, do peso e da medida em ano de escassez.
Nenhum pássaro se eleva muito, se se eleva com as próprias asas.
Um cadáver não vinga as injúrias.
O ato mais sublime é colocar outro diante de ti.
Se o louco persistisse em sua loucura, acabaria se tornando Sábio.
A loucura é o manto da velhacaria.
O manto do orgulho é a vergonha.
As Prisões se constroem com as pedras da Lei, os Bordéis, com os tijolos da Religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a glória de Deus. A fúria do leão é a sabedoria de Deus. A nudez da mulher é a obra de Deus.
O excesso de tristeza ri; o excesso de alegria chora.
A raposa condena a armadilha, não a si própria.
Os júbilos fecundam. As tristezas geram.
Que o homem use a pele do leão; a mulher a lã da ovelha.
O pássaro, um ninho; a aranha, uma teia; o homem, a amizade.
O sorridente tolo egoísta e melancólico tolo carrancudo serão ambos julgados sábios para que sejam flagelos.
O que hoje se prova, outrora era apenas imaginado.
A ratazana, o camundongo, a raposa, o coelho olham as raízes; o leão, o tigre, o cavalo, o elefante olham os frutos.
A cisterna contém; a fonte derrama.
Um só pensamento preenche a imensidão.
Dizei sempre o que pensa, e o homem torpe te evitará.
Tudo o que se pode acreditar já é uma imagem da verdade. A águia nunca perdeu tanto o seu tempo como quando resolveu aprender com a gralha.
A raposa provê para si, mas Deus provê para o leão.
De manhã, pensa; ao meio-dia, age; no entardecer, come; de noite, dorme.
Quem permitiu que dele te aproveitasses, esse te conhece.
Assim como o arado vai atrás de palavras, assim Deus recompensa orações.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Da água estagnada espera veneno.
Nunca se sabe o que é suficiente até que se saiba o que é mais que suficiente.
Ouve a reprovação do tolo! É um elogio soberano!
Os olhos, de fogo; as narinas, de ar; a boca, de água; a barba, de terra.
O fraco na coragem é forte na esperteza.
A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão, ao cavalo, como apanhar sua presa. Ao receber, o solo grato produz abundante colheita.
Se os outros não fossem tolos, nós teríamos que ser.
A essência do doce prazer jamais pode ser maculada.
Ao veres uma Águia, vês uma parcela da Genialidade. Levanta a cabeça!
Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para deitar seus ovos, assim o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.
Criar uma florzinha é o labor de séculos.
A maldição aperta. A benção afrouxa.
O melhor vinho é o mais velho; a melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem! Júbilos não riem! Tristezas não choram!
A cabeça, o Sublime; o coração, o Sentimento; os genitais, a Beleza; as mãos e os pés, a Proporção.
Como o ar para o pássaro ou o mar para o peixe, assim é o desprezo para o desprezível.
A gralha gostaria que tudo fosse preto; a coruja, que tudo fosse branco.
A Exuberância é a Beleza.
Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria ardiloso.
O Progresso constrói estradas retas; mas as estradas tortuosas, sem o Progresso, são estradas da Genialidade.
Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos.
Onde o homem não está a natureza é estéril.
A verdade nunca pode ser dita de modo a ser compreendida sem ser acreditada.
É suficiente! ou Basta.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Carne & Osso

Abílio/Caíca/Luiz Gustavo/Humberto Effe

Você é minha cadeia
enjaulado fico preso no seu corpo
você me caça em suas teias como seu escravo
selvagem não me canso
pra que fugir?
Me entregar é a única saída
como seu escravo me perdi na sua selva

O meu coração o meu coração
preso nessa cela abre as pernas da sua paixão

O mundo anda mal mas sou eu que não presto
sou resto de uma idéia, de uma nova rebeldia
o povo dessa selva se balança de alegria
vejo a tristeza se encharcar de euforia

Bamba balança balança suas rédeas
querem o meu leite o suor das minhas tetas
você me encontrou e fechou todas as portas
bebe do meu leite do suor das minhas tetas.

O meu coração o meu coração
preso nessa cela abre as pernas da sua paixão

Enquanto feras estão soltas você me tortura a cada carência
e a cada violento arranhão
se pensa que isso é paixão esqueça
certas coisas não se sentem só no coração

Será que alguém entende o meu amor
você deve compreender o meu estranho jeito
de ser demente escravo do seu corpo
ou também acha esse o meu maior defeito?

O meu coração o meu coração
preso nessa cela abre as pernas da sua paixão

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Pregador Maldito

Patife Band

Você não têm escolha, junte-se a nós
Não há escolha.
Seu Bolha!

Você encheu a cara
E tá de perna bamba
Você anda e a tua bunda espicha
Seu Bicha!

A tua idéia é curta
Você vive travado
O teu amigo é chato
Você tá um bagaço
Palhaço!

O teu dia é duro
Você tá sem um troco
Você não vale nada
Você é sempre o último

Você só pensa nisso
Você só pensa nisso
Você só pensa nisso

Baratas no teu quarto
Mosquitos no teu prato
Friera no teu dedo
Sujeiras no teu sangue

Seu Junkie!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Voz Do Poeta

Fagundes Varela

Perdão, Senhor meu Deus! Busco-te embalde
Na natureza inteira! O dia, a noite,
O tempo, as estações mudos sucedem-se,
Mas eu sinto-te o sopro dentro dalma!
Da consciência ao fundo te contemplo!
E movo-me por ti, por ti respiro,
Ouço-te a voz que o cérebro me anima,
E em ti me alegro, e canto, e penso!

Da natureza inteira que aviventas
Todos os elos a teu ser se prendem,
Tudo parte de ti e a ti se volta;
Presente em toda a parte, e em parte alguma,
Íntima fibra, espírito infinito,
Moves potente a criação inteira!
Dás a vida e a morte, o olvido e a glória!
Se não posso adorar-te face a face,
Oh! basta-me sentir-te sempre, e sempre!

Eu creio em ti! eu sofro, e o sofrimento
Como ligeira nuvem se esvaece
Quando murmuro teu sagrado nome!
Eu creio em ti! e vejo além dos mundos,
Minha essência imortal brilhante e livre,
Longe dos erros, perto da verdade,
Branca dessa brancura imaculada
Que os gênios inspirados nesta vida
Em vão tentaram descobrir no mármore!

domingo, 10 de agosto de 2008

Mãos Dadas

Cassandra Rios


Mãos dadas!
Tu e eu!
Sempre de mãos dadas!
Fizemos amor assim!
Sentimos o gozo percorrer nossos corpos
entre arrepios que surgiam
da palma das nossas mãos unidas,
dedos entrelaçados!
Viste, amor! Isso é a electrostática da
[alma!
Aquele arrepio que sentimos,
quando nos olhamos
e quando estremecemos de emoção
só no simples gesto de mãos dadas!
Que extraordinária força
descobrimos em nós
quando vibramos simultaneamente
a esse simples contato.

É a eletricidade da vida que explode em amor!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Canto Em Qualquer Canto

Itamar Assumpção

Vim cantar sobre essa terra
Antes de mais nada, aviso
Trago facão, paixão crua
E bons rocks no arquivo
Tem gente que pira e berra
Eu já canto, pio e silvo
Se fosse minha essa rua
O pé de ypê tava vivo

Pro topo daquela serra
Vamos nós dois, vídeo e livros
Vou ficar na minha e sua
Isso é mais que bom motivo
Gorjearei pela terra
Para dar e ter alívio
Gorjeando eu fico nua
Entre o choro e o riso

Pintassilga, pomba, melroa
Águia lá do paraíso
Passarim, mundo da lua
Quando não trino, não sirvo
Caso a bela com a fera
Canto porque é preciso
Porque esta vida é árdua
Pra não perder o juízo

Fogo Escondido

Jô Oliveira - do livro Érebos (1990)

Boutade! Boutada!
Ninguém toca nossa loucura
nossa música
clochards mrtos na rua congelados
o frio ártico causa mortes & caos.

Europa! Europa!
Naves brilhantes sob o céu
falacha noite etíope
África do Sul
crossaroads on the run
a língua iorubá nação nagô
atotô, meu pai!

Minas meninas gerais
noredeste em flor
no ar das montanhas distantes do mar
guerreiros em palhas
tribos & nômades
penetram no teu bourdois...

sábado, 2 de agosto de 2008

A Uma Mulher

Paul Verlaine

Para vós são estes versos, pela consoladora
Graça dos olhos onde chora e ri um sonho
Doce, pela vossa alma pura e sempre boa,
Versos do fundo desta aflição opressora.

Porque, ai! o pesadelo hediondo que me assombra
Não dá tréguas e, louco, furioso, ciumento,
Multiplica-se como um cortejo de lobos
E enforca-se com o meu destino que ensangüenta!

Ah ! sofro horrivelmente, ao ponto de o gemido
Desse primeiro homem expulso do Paraíso
Não passar de uma écloga à vista do meu !

E os cuidados que vós podeis ter são apenas
Andorinhas voando à tarde pelo céu
- Querida - num belo dia ameno de setembro.

Canto De Outono

Baudelaire

I


Em breve iremos mergulhar nas trevas frias;
Adeus, radiosa luz das estações ligeiras!
Ouço tombar no pátio em vibrações sombrias
A lenha que ressoa à espera das lareiras.

Em meu ser outra vez se hospedará o inverno:
Ódio, arrepio, horror, labor duro e pesado,
E, como o sol a arder em seu glacial inferno,
Meu coração é um bloco rubro e enregelado.

Tremo ao ouvir tombar cada feixe de lenha;
Não faz eco mais surdo a forca que se alteia.
Minha alma se compara à torre que despenha
Aos pés do aríete incansável que a golpeia.

Parece-me, ao sabor de sons em abandono,
Que alhures um caixão se prega a toda pressa.
Para que? - Ontem era o verão; eis o outono!
Rumor estranho de quem parte e não regressa...


II

Amo em teu longo olhar a luz esverdeada,
Doce amiga, mas hoje amarga-me um pesa,
E nem o teu amor, o lar, a alcova, nada
Vale mais do que o sol raiando sobre o mar.

Mas ama-me assim mesmo e cheia de ternura,
Sê mãe para o perverso, o ingrato em todo caso;
Sê, amante ou irmã, a efêmera doçura
De um outono glorioso ou a de um sol no ocaso.

Breve é a missão! A tumba espera, ávida,à frente!
Ah, deixa-me, a cabeça em teus joelhos pousada,
Degustar, recordando o estio claro e ardente,
Deste fim de estação a suave luz dourada!

Silêncio

Edgard Allan Poe

Há qualidades incorpóreas, de existência
dupla, nas quais segunda vida se produz,
como a entidade dual da matéria e da luz,
De que o sólido e a sombra espelham a evidência.

Há pois, duplo silêncio; o do mar e o da praia,
do corpo e da alma; um, mora em deserta região
que erva recente cubra e onde, solene, o atraia
lastimoso saber; onde a recordação

O dispa de terror; seu nome é "nunca mais";
E o silêncio corpóreo. A esse, não temais!
Nenhum poder do mal ele tem. Mas, se uma hora

Um destino precoce (oh, destinos fatais!)
Vós levar as regiões soturnas, que apavora
sua sombra, elfo sem nome, ali onde humana palma

Jamais pisou, a Deus recomendai vossa alma!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Verde

Eduardo Gudin

Quem pergunta por mim
Já deve saber
Do riso no fim
De tanto sofrer
Que eu não desisti
Das minhas bandeiras
Caminhos, trincheiras da noite

Eu que sempre apostei
Na minha paixão
Guardei um país
No meu coração
Um foco de Liz
Seduz a razão
De repente a visão da esperança!
Quis este sonhador
Aprendiz de tanto suor
Ser feliz num gesto de amor
Meu país acendeu a cor

Verde as matas no olhar
Ver de perto
Ver de novo um lugar
Ver adiante
Sede de navegar
Verdejantes tempos
Mudança dos ventos no meu coração

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Senhora Feliz

Hojerizah
As longas datas
Em que passei
Perdido na cadência
Dos dias
São breves os dias
Em que alcancei
Os doces olhos
Da senhora feliz
Que acena o seu manto
E me diz venha cá

Deixes ver
O que queres senhora
O riso e o gozo
Das alegres temporadas
Que procura todo homem
Como cego sem chão

Abram suas alas
À dama do esplendor
Se ouvir um grito
De loucos ao redor
Eles são teus filhos,
Muitos filhos são
Senhora feliz és a mãe de um crime, senhora feliz
Bom e generoso e sorris
Quando esbofeteias e
Ofendes o corpo com os dias
Feliz velho
Feliz criança
Senhora feliz

Pisei em vão na longa estrada
Perdido na estrela furtiva
Que sobe e desce na madrugada
Como um pássaro ferido
Que estremece o seu vôo
Nos lençóis que virgem amou
Abra as asas como um leque senhora
Seja o abrigo e beijes
As esperanças vadias
Que encontram tuas garras
Procurando por tua mão

Palmas, muitas flores
Imagens de pavor
Se ouvir um grito
De loucos ao redor
Eles são teus filhos,
Muitos filhos são
Senhora feliz

Até Onde For Seguir

Picassos Falsos

O mar não bate mais em minha porta
E hoje um pouco menos em meus pés
Os olhos vão se abrindo cheios de preguiça
Querendo acreditar em algo melhor do que é
Porém meu corpo parece de fogo
E nada me impede mais de seguir
Até onde for seguir

O vento cheira a quase tudo
e nada é tão puro
Em tudo que enxergo
Nem tão cruel no nebuloso céu
O paraíso existe
Até onde eu possa acreditar
Na letra do samba-canção
Na força que me faz seguir
Até onde for seguir

Só me resta aplaudir
Quando você chegar
Só seu jeito mais calmo
Acalma meus olhos
De tanto buscar algo novo

Seguir, até
onde for seguir
Seguir, até
onde for segu

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Traduzir-Se

Ferreira Gullar
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
_ que é uma questão
de vida ou morte _
será arte?

terça-feira, 29 de julho de 2008

Fragmentos

Maiakóvski

1

Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos
despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto
no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e
que a prata dos anos tinja seu perdão
penso
e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso

2

Passa da uma
você deve estar na cama
Você talvez
sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
Para que acordar-te
com o
relâmpago
de mais um telegrama

3

O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano

4

Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo

5

Sei o puldo das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carcaça.

(tradução: Augusto de Campos)

E Então, Que Quereis?...

Maiakóvski

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Abismo Temporário

Jô Oliveira (Érebos - 1990)

Seu rosto explode de surpresa
na tela a ontem pantera e sua presa
no piano quem sabe quém tocou
unhas vermelhas vampirescas boca roxa
vozes superpostas
praia de Ipanema
América Central
telegramas cartas abertas
trocas de insultos e ameaças
na pauta do dia
a rádio pirata n ar
a frente fria de Buenos Aires
morte em Santiago
a bolsa fecha na média
nem alta nem baxa
alguém chora por mim
inflame
frenesi
frêmito
mortal
silêncio.

sábado, 26 de julho de 2008

Senhora Minha, Se De Pura Inveja

Luís Vaz de Camões

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

Não me pode tolher que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lírios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Mal Nenhum

Lobão / Cazuza

Nunca viram ninguém triste
Por que não me deixam em paz
As guerras são tão tristes
E não têm nada demais
Me deixem bicho acuado
Por um inimigo imaginário
Correndo atrás dos carros
Feito um cachorro otário
Me deixem, ataque equivocado
Por um falso alarme
Quebrando objetos inúteis
Como quem leva uma topada
Me deixem amolar e esmurrar a faca
Cega da paixão
E dar tiros a esmo e ferir sempre o mesmo
Cego coração
Não escondam suas crianças
Nem chamem o síndico
Não me chamem a polícia
Não me chamem o hospício, não
Eu não posso causar mal nenhum
A não ser a mim mesmo
A não ser a mim mesmo

terça-feira, 22 de julho de 2008

Mestres Cantores

Luiz Tatit / Zé Miguel Wisnik

Nós aqui mestres cantores
Aprendizes felizes
Modestos e muito dignos
Da prosa da prosódia
Da prosápia da poesia
Da música popular
Da canção enquanto tal
Da música total
Da voz que fala
Pela fala e pela voz

Nós aqui livres docentes
Docemente livres
Entra o rap e o repente
A canção dolente
A canção e seu matizes
A música total
Da voz que fala
Pela fala e pela voz

E se a baiana escondeu no tabuleiro
O xadrez de estrelas de Vieira
E vai pondo em cada acarajé
A pimenta da fé
E o discurso engenhoso no tempero?

Nós aqui mestres cantores
Aprendizes felizes
Modestos e muito dignos
Da prosa da prosódia
Da prosápia da poesia
Da música popular
Da canção enquanto tal
Da música total
Da voz que fala
Pela fala e pela voz
Da música total
Da voz que fala
Pela fala e pela voz

E se no gozo perfeito
Das próprias faculdades
De músicas letras ciências
Artes exatas
Nós aqui de escola em escola
De escala em escala
Deixamos em São Paulo
As misturas intactas?

Nós aqui livres docentes
Docemente livres
Entra o rap e o repente
A canção dolente
A canção e seu matizes
A música total
Da voz que fala
Pela fala e pela voz
A música total
Da voz que fala
Pela fala e pela voz

E se a canção é o chão de estrelas
Em que se mira e considera
Tanto o céu do pensamento
Quanto o momento em que alguém
Pisa e dança sobre a terra?

Nós aqui mestres cantores
Aprendizes felizes
Modestos e muito dignos
Da prosa da prosódia
Da prosápia da poesia

Acho / Agora

Carlos Careqa

Acho que fiz meia música pra você
Aceita minha meia música
Desculpa o meu vexame
De fazer meia música pra você

Acho que quero ser meio de você
Metade da metade
Da super felicidade
Do meio que provoca o teu prazer...

Agora quero te fazer uma música inteira
Agora não quero mais aquela música ligeira
Agora ser mais feliz
Agora está por um triz

Agora estou te amando tronco e membros
Agora estou sentindo mais do que dizendo
Agora estou mais do céu
Agora quero ser teu

Saber do amor, saber, sabor, sabendo
Provar do teu gosto de estar vivendo
Perder por te ganhar
Ouvir sem escutar

Agora a amizade é mais que love
Agora tua pessoa ficou mais nobre
Agora ficar aqui
Agora já, now, feliz

Um som que move
Outro comove
Agora acho que fiz uma música e meia
Pra você

O Poema De Um Louco

Alvarez de Azevedo

(Fragmento de "O Conde Lopo")
There is something which I dread It is a dark, a fearful thing.

. . . . . . . . .

That thought comes o'er me in the hour Of grief, of sickness, of sadness 'Tis not the dread of death! 'tis more —It is the dread of madness.

Lucretia Davidson

I

Foi poeta: cantou, e o estro em fogo

Crestou-lhe o peito, devorou seus dias

E a febre ardente desbotou-lhe a fronte

Em dores sós, em delirar insano.

Foi poeta: cantou, sonhou: a vida

Canto e sonhos lhe foi. Amor e glória

Com asas brancas viu sorrindo em vôos.

Foi-lhe vida sonhar: e ardentes sonhos

A fronte lhe acenderam, lhe estrelaram

Mágico da existência o firmamento.

Cantou, sonhou—amou:: cantos e sonhos

Em amor converteu-os. De joelhos

Em fundo enlevo ele esperou baixasse

Alguma luz do céu, que amor dissesse—

Anjo ou mulher! embora que ele a amara

C'o fogo queimador que o consumia

Com o amor de poeta que o matava!

Anjo ou mulher—embora! e em longas preces

Noite e dia o esperou—Mísero! Embalde!

Sonhou—amou—cantou: em loucos versos

Evaporou a vida absorta em sonhos—

E debalde! ninguém chorou-lhe os prantos

Que sobre as mortas ilusões já findas

Pálido derramara—

Amou! E um peito

Junto ao seu não ouviu bater consoante

C'os amores do seu! Ninguém amou-o

E nem as mágoas lhe afogou num beijo! —

E morreu sem amor.—Bateu-lhe embalde

O pobre coração em loucas ânsias.

Passou ignoto, solitário e triste

Entre os anjos do amor, só viu-lhe risos

Em braços doutros—e invejosa mágoa

Essa alheia ventura só lhe trouxe.

Nunca a mão dele de uma fronte branca

A alva coroa fez cair da virgem—

Jovem, solteiro, sem consórcio d'alma

Entre as rosas da vida—mas nenhuma

Nem deu-lhe um riso—nem do moço pálido

No imo d'alma guardou uma saudade!

Mas se à terra saudades não deixara

Não levou-as também—do peito o orgulho

Que ninguém quis amar, ninguém amou.

—Foi-lhe quimera o amor, não mais lembrou-o,

Tentou-o ao menos. —E que importa um morto?

Doido é quem geme em lagrimar estéril—

Quando o luto findou e alegre o baile

Corre entre flores no valsar, quem lembra

O defunto que é podre no jazigo?

—Morrera-lhe o sonhar—por que chorá-lo?

E morreu sem amor! E ele contudo

Tinha no peito tanto amor e vida!

Alma de sonhos, tão ardentes, cheia!

E anelante do amor do peito—em outro

Em horas ternas efundir em beijos!

E às vezes quando a fronte pela febre

Pesada e quente sobre as mãos firmava,

Quando esse delirar febril da insônia

Em vertigens travava de sua alma,

Um negro pensamento lhe passava

Como um fuzil no cérebro fervente,

E pensava dos loucos no delírio,

Na escura treva da vertigem tonta!

Temia—a morte não—mas—a loucura.

INVOCAÇÃO

Variações em todas as cordas

I

Alma de fogo, coração de lavas,

Misterioso Bretão de ardentes sonhos

Minha musa serás—poeta altivo

Das brumas de Albion, fronte acendida

Em túrbido ferver!—a ti portanto,

Errante trovador d'alma sombria,

Do meu poema os delirantes versos!

II

Foste poeta, Byron! a onda uivando

Embalou-te o cismar—e ao som dos ventos

Das selváticas fibras de tua harpa

Exalou-se o rugir entre lamentos!

III

De infrene inspiração a voz ardente

Como o galope do corcel da Ucrânia

Em corrente febril que alaga o peito

A quem não rouba o coração—ao ler-te?

Foste Ariosto no correr dos versos,

Foste Dante no canto tenebroso,

Camões no amor e Tasso na doçura,

Foste poeta, Byron!

Foi-te a imaginação rápida nuvem

Que arrasta o vento no rugir medonho—

Foi-te a alma uma caudal a despenhar-se

Das rochas negras em mugido imenso.

Leste no seio, ao coração, o inferno,

Como teu Manfred desfraldando à noite

O escurecido véu.—E riste, Byron,

Que do mundo o fingir merece apenas

Negro sarcasmo em lábios de poeta.

Foste poeta, Byron!

IV

A ti meu canto pois—cantor das mágoas

De profunda agonia! —a ti meus hinos,

Poeta da tormenta—alma dormida

Ao som do uivar das feras do oceano,

Bardo sublime das Britânias brumas!

1

Foi-te férreo o viver—enigma a todos

Foi o teu coração!

Da fronte no palor fervente em lavas

Um gênio ardente e fundo:

O mundo não te amou e riste dele

—Poeta—o que era-te o mundo?

Foste, Manfred, sonhar nas serras ermas

Entre os tufões da noite—

E em teu Jungfrau—a mão da realidade

As ilusões quebrou-te!

Como um gênio perdido—em rochas negras

Paraste à beira-mar.

Do escuro céu falando às nuvens—solto

O negro manto ao ar!

O mar bramiu-te o hino da borrasca

E em pé—no peito os braços—

O riso irônico—vinha o azul relâmpago

T'esclarecer a espaços.

A fonte nua o rorejar da noite

Frio—te umedecia

E acima o céu—e além o mar te olhava

C'os olhos da ardentia!

2

As volúpias da noite descoraram-te

A fronte enfebrecida

Em vinho e beijos—afogaste em gozo

Os teus sonhos da vida.

E sempre sem amor, vagaste sempre

Pálido Dom João!

Sem alma que entendesse a dor que o peito

Te fizera em vulcão!

3

Da absorta mente os sonhos te quebrava

Do mundo o sussurrar.

E foste livre refazer teu peito

Ao ar livre do mar.

E quando o barco d'alta noite aos ventos

Entre as vagas corria

E d'astro incerto o alvor te prateava

A palidez sombria,

Era-te amor o pleitear das águas

Nos rochedos cavados—

E amargo te franzia um rir de gozo

Os lábios descorados!

E amaste o vendaval, que as folhas trêmulas

Das florestas varria—

E o mar—alto a rugir—que a ouvi-lo, a fronte

Altiva se te erguia!

E amaste negro o céu—o mar—a noite

E entre a noite—o trovão!

Num crânio zombador brindaste aos mortos.

Cantor da destruição

4

E um dia as faces desbotou-te a morte

De alvor, frio e letal

Deram-te em presa aos vermes—Mas que importa

Se é teu nome imortal?

Se foste sobranceiro na peleja

Como o foras nos cantos—

Se o grego litoral e o mar que o banha

Por ti beberam prantos?

Se do levante as virações correndo

Nos mares orientais

Deram-te nênias no sussurro trêmulo,

Byron, se o nome teu lembra um espírito

Das glórias decaído

E fez-te o coração os teus poemas

De coração perdido,

Se co'a dor de teus hinos simpatizam

Duma alma os turvos imos

E o teu sarcasmo queimador consola

E contigo sorrimos?

5

Vem, pois, poeta amargo da descrença

Meu Lara vagabundo—

E co'a taça na mão e o fel nos lábios

Zombaremos do mundo!