Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

terça-feira, 22 de julho de 2008

O Poema De Um Louco

Alvarez de Azevedo

(Fragmento de "O Conde Lopo")
There is something which I dread It is a dark, a fearful thing.

. . . . . . . . .

That thought comes o'er me in the hour Of grief, of sickness, of sadness 'Tis not the dread of death! 'tis more —It is the dread of madness.

Lucretia Davidson

I

Foi poeta: cantou, e o estro em fogo

Crestou-lhe o peito, devorou seus dias

E a febre ardente desbotou-lhe a fronte

Em dores sós, em delirar insano.

Foi poeta: cantou, sonhou: a vida

Canto e sonhos lhe foi. Amor e glória

Com asas brancas viu sorrindo em vôos.

Foi-lhe vida sonhar: e ardentes sonhos

A fronte lhe acenderam, lhe estrelaram

Mágico da existência o firmamento.

Cantou, sonhou—amou:: cantos e sonhos

Em amor converteu-os. De joelhos

Em fundo enlevo ele esperou baixasse

Alguma luz do céu, que amor dissesse—

Anjo ou mulher! embora que ele a amara

C'o fogo queimador que o consumia

Com o amor de poeta que o matava!

Anjo ou mulher—embora! e em longas preces

Noite e dia o esperou—Mísero! Embalde!

Sonhou—amou—cantou: em loucos versos

Evaporou a vida absorta em sonhos—

E debalde! ninguém chorou-lhe os prantos

Que sobre as mortas ilusões já findas

Pálido derramara—

Amou! E um peito

Junto ao seu não ouviu bater consoante

C'os amores do seu! Ninguém amou-o

E nem as mágoas lhe afogou num beijo! —

E morreu sem amor.—Bateu-lhe embalde

O pobre coração em loucas ânsias.

Passou ignoto, solitário e triste

Entre os anjos do amor, só viu-lhe risos

Em braços doutros—e invejosa mágoa

Essa alheia ventura só lhe trouxe.

Nunca a mão dele de uma fronte branca

A alva coroa fez cair da virgem—

Jovem, solteiro, sem consórcio d'alma

Entre as rosas da vida—mas nenhuma

Nem deu-lhe um riso—nem do moço pálido

No imo d'alma guardou uma saudade!

Mas se à terra saudades não deixara

Não levou-as também—do peito o orgulho

Que ninguém quis amar, ninguém amou.

—Foi-lhe quimera o amor, não mais lembrou-o,

Tentou-o ao menos. —E que importa um morto?

Doido é quem geme em lagrimar estéril—

Quando o luto findou e alegre o baile

Corre entre flores no valsar, quem lembra

O defunto que é podre no jazigo?

—Morrera-lhe o sonhar—por que chorá-lo?

E morreu sem amor! E ele contudo

Tinha no peito tanto amor e vida!

Alma de sonhos, tão ardentes, cheia!

E anelante do amor do peito—em outro

Em horas ternas efundir em beijos!

E às vezes quando a fronte pela febre

Pesada e quente sobre as mãos firmava,

Quando esse delirar febril da insônia

Em vertigens travava de sua alma,

Um negro pensamento lhe passava

Como um fuzil no cérebro fervente,

E pensava dos loucos no delírio,

Na escura treva da vertigem tonta!

Temia—a morte não—mas—a loucura.

INVOCAÇÃO

Variações em todas as cordas

I

Alma de fogo, coração de lavas,

Misterioso Bretão de ardentes sonhos

Minha musa serás—poeta altivo

Das brumas de Albion, fronte acendida

Em túrbido ferver!—a ti portanto,

Errante trovador d'alma sombria,

Do meu poema os delirantes versos!

II

Foste poeta, Byron! a onda uivando

Embalou-te o cismar—e ao som dos ventos

Das selváticas fibras de tua harpa

Exalou-se o rugir entre lamentos!

III

De infrene inspiração a voz ardente

Como o galope do corcel da Ucrânia

Em corrente febril que alaga o peito

A quem não rouba o coração—ao ler-te?

Foste Ariosto no correr dos versos,

Foste Dante no canto tenebroso,

Camões no amor e Tasso na doçura,

Foste poeta, Byron!

Foi-te a imaginação rápida nuvem

Que arrasta o vento no rugir medonho—

Foi-te a alma uma caudal a despenhar-se

Das rochas negras em mugido imenso.

Leste no seio, ao coração, o inferno,

Como teu Manfred desfraldando à noite

O escurecido véu.—E riste, Byron,

Que do mundo o fingir merece apenas

Negro sarcasmo em lábios de poeta.

Foste poeta, Byron!

IV

A ti meu canto pois—cantor das mágoas

De profunda agonia! —a ti meus hinos,

Poeta da tormenta—alma dormida

Ao som do uivar das feras do oceano,

Bardo sublime das Britânias brumas!

1

Foi-te férreo o viver—enigma a todos

Foi o teu coração!

Da fronte no palor fervente em lavas

Um gênio ardente e fundo:

O mundo não te amou e riste dele

—Poeta—o que era-te o mundo?

Foste, Manfred, sonhar nas serras ermas

Entre os tufões da noite—

E em teu Jungfrau—a mão da realidade

As ilusões quebrou-te!

Como um gênio perdido—em rochas negras

Paraste à beira-mar.

Do escuro céu falando às nuvens—solto

O negro manto ao ar!

O mar bramiu-te o hino da borrasca

E em pé—no peito os braços—

O riso irônico—vinha o azul relâmpago

T'esclarecer a espaços.

A fonte nua o rorejar da noite

Frio—te umedecia

E acima o céu—e além o mar te olhava

C'os olhos da ardentia!

2

As volúpias da noite descoraram-te

A fronte enfebrecida

Em vinho e beijos—afogaste em gozo

Os teus sonhos da vida.

E sempre sem amor, vagaste sempre

Pálido Dom João!

Sem alma que entendesse a dor que o peito

Te fizera em vulcão!

3

Da absorta mente os sonhos te quebrava

Do mundo o sussurrar.

E foste livre refazer teu peito

Ao ar livre do mar.

E quando o barco d'alta noite aos ventos

Entre as vagas corria

E d'astro incerto o alvor te prateava

A palidez sombria,

Era-te amor o pleitear das águas

Nos rochedos cavados—

E amargo te franzia um rir de gozo

Os lábios descorados!

E amaste o vendaval, que as folhas trêmulas

Das florestas varria—

E o mar—alto a rugir—que a ouvi-lo, a fronte

Altiva se te erguia!

E amaste negro o céu—o mar—a noite

E entre a noite—o trovão!

Num crânio zombador brindaste aos mortos.

Cantor da destruição

4

E um dia as faces desbotou-te a morte

De alvor, frio e letal

Deram-te em presa aos vermes—Mas que importa

Se é teu nome imortal?

Se foste sobranceiro na peleja

Como o foras nos cantos—

Se o grego litoral e o mar que o banha

Por ti beberam prantos?

Se do levante as virações correndo

Nos mares orientais

Deram-te nênias no sussurro trêmulo,

Byron, se o nome teu lembra um espírito

Das glórias decaído

E fez-te o coração os teus poemas

De coração perdido,

Se co'a dor de teus hinos simpatizam

Duma alma os turvos imos

E o teu sarcasmo queimador consola

E contigo sorrimos?

5

Vem, pois, poeta amargo da descrença

Meu Lara vagabundo—

E co'a taça na mão e o fel nos lábios

Zombaremos do mundo!

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