Poesias Escondidas


Uma pequena demonstração do amor pela nossa língua e nosso idioma, mesmo quando a poesia ou a letra de música for de autoria de um estrangeiro, sendo ou não radicado no Brasil, só serão publicadas as traduções ( caso o idioma não seja a língua portuguesa )...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Nem Sempre

Junqueira Freire

Bem sei que te sorris com riso angélico,
Como as aves do céu e a flor dos bosques;
Porém deste sorrir - por mais donoso,
Nem sempre gosto.

Olhas-me, eu sinto, com olhar tão terno,
Que, como um talismã, quebranta os ânimos;
Porém de teu olhar - tão doce embora,
Nem sempre gosto.

Coa-te as faces candidez lucente,
Nítida e vítrea - como a flor do jaspe;
Porém desse palor - tão lindo embora,
Nem sempre gosto.

Falas com som melodioso e harmônico,
Com som tocante - como etéreas harpas;
Porém desse falar - por mais sonoro,
Nem sempre gosto.

Andas com passos breves e calados,
Soturno - como o divagar da noite;
Porém dos passos teus - por mais mimosos,
Nem sempre gosto.

De um rir irado, estrídulo e sardônico,
Que, como a seta, me transpassa as fibras;
De um rir danado, que me inspira fúrias,
Às vezes gosto.

De olhar fogoso, trépido e fosfórico,
Como o luzir e o crepitar do raio;
De olhar raivoso, que me acenda o gênio,
Às vezes gosto.

De um rubro afoguear de acesas faces,
- Sintoma de coléricos transportes;
De um rubro afoguear - como um incêndio,
Às vezes gosto.

De um tom vibrante, rápido e precipite,
Como a voz do oceano entre as procelas;
De um tom de voz, que me afigure a raiva,
Às vezes gosto.

De um passo nobre, arrebatado e válido,
Como os impulsos da paixão nos peitos;
De um passo forte, que vacile a terra,
Às vezes gosto.

A mole imagem da apatia inerte
Já me basta de vê-la em teu semblante;
Da guerra das paixões, do horror da cólera
Às vezes gosto.

Ao menos uma vez quisera,ó virgem,
Ver em teu rosto a contração da raiva,
Que do terno langor que te define,
Nem sempre gosto.

Só Tinha Que Ser Com Você

Tom Jobim / Aloysio de Oliveira

É, só tinha de ser com você
Havia de ser prá você
Senão era mais uma dor
Senão não seria o amor
Aquele que o mundo não vê
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu prá você
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu prá você
É, você que é feito de azul
Me deixa morar neste azul
Me deixa encontrar minha paz
Você que é bonito de mais
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você
E você sempre foi só de mim
Que eu sempre fui só de você
Você sempre foi só de mim
É, só eu sei quanto amor eu guardei
Sem saber que era só prá você
É, só eu sei quanto amor eu guardei
Sem saber que era só prá você
É, só tinha de ser com você
Havia de ser prá você
Senão era mais uma dor
Senão não seria o amor
Aquele que o mundo não vê
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu prá você
O amor que chegou para dar
O que ninguém deu prá você

Meu Bem Querer

Djavan

Meu bem querer
É segredo, é sagrado
Está sacramentado
Em meu coração
Meu bem querer
Tem um quê de pecado
Acariciado pela emoção
Meu bem querer
Meu encanto, estou sofrendo tanto
Amor, e o que é o sofrer
Para mim que estou
Jurado pra morrer de amor

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Êxtase Búdico

Cruz e Souza

Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!

Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescências da saudade,
Graça das graças imortais oriunda!

As estrelas cativas no teu seio
Dão-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!

Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e búdica Noite Redentora!

Névoas

Fagundes Varela

Nas horas tardias que a noite desmaia
Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,

Eu vi entre os flocos de névoas imensas,
Que em grutas extensas se elevam no ar,
Um corpo de fada — sereno, dormindo,
Tranqüila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve — puríssima e nua —
Um raio da lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.

Oh! filha das névoas! das veigas viçosas,
Das verdes, cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes, sorrindo, das nuvens no véu?

O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de espumas!

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes
— Tão frio — não sentes o pranto filtrar?
E as asas, de prata do gênio das noites
Em tíbios açoites a trança agitar?

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo
De um férvido beijo gozares em vão!...
Os astros sem alma se cansam de olhar-te,
Nem podem amar-te, nem dizem paixão!

E as auras passavam — e as névoas tremiam
— E os gênios corriam — no espaço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida ondina nas águas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilíria,
— Brilhante Valquíria — das brumas do Norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolto em vapores — mais fria que a morte!

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado,
Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los no peito incendido,
— Contar-te ao ouvido paixão delirante!...

Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias
– Nas horas tardias que a noite desmaia.

E as brisas da aurora ligeiras corriam.
No leito batiam da fada divina...
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem,
E a pálida imagem desfez-se em — neblina!

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Começo, Meio & Fim

Tavito / Ney Azambuja / Paulo Sérgio Valle

A vida tem sons que pra gente ouvir
Precisa entender que um amor de verdade
É feito canção, qualquer coisa assim,
Que tem seu começo, seu meio e seu fim
A vida tem sons que pra gente ouvir
Precisa aprender a começar de novo.

É como tocar o mesmo violão
E nele compor uma nova canção
Que fale de amor
Que faça chorar
Que toque mais forte
Esse meu coração.

Ah! Coração!
Se apronta pra recomeçar.
Ah! Coração!
Esquece esse medo de amar de novo.

O Amor

Khalil Gibran

Então, Almitra disse: “Fala-nos do amor.”
E ele ergueu a fronte e olhou para a multidão,
e um silêncio caiu sobre todos, e com uma voz forte, disse:

Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
Como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,
Assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,
Trabalha para vossa queda.
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
E as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor,
Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
E abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio
E nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Porque o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga:
“Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes:
"Eu estou no coração de Deus”.
E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos,
Determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
Que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado
E agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia
E meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança.

Meu Amor, Minha Flor, Minha Menina

Zeca Baleiro

Meu amor minha flor minha menina
Solidão não cura com aspirina
Tanto que eu queria o teu amor
Vem me trazer calor, fervor, fervura
Me vestir do terno da ternura
Sexo também é bom negócio
O melhor da vida é isso e ócio
Isso e ócio
Minha cara, minha Carolina
A saudade ainda vai bater no teto
Até um canalha precisa de afeto
Dor não cura com penicilina
Meu amor minha flor minha menina
Tanto que eu queria o teu amor
Tanto amor em mim como um quebranto
Tanto amor em mim, em ti nem tanto
Minha cora minha coralina
mais que um goiás de amor carrego
destino de violeiro cego
Há mais solidão no aeroporto
Que num quarto de hotel barato
Antes o atrito que o contrato
Telefone não basta ao desejo
O que mais invejo é o que não vejo
O céu é azul, o mar também
Se bem que o mar as vezes muda,
Não suporto livros de auto-ajuda
Vem me ajudar, me dá seu bem
Meu amor minha flor minha menina
Tanto que eu queria o teu amor
Tanto amor em mim como um quebranto
Tanto amor em mim, em ti nem tanto

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Manhã

Vladímir Maiakovski

A chuva lúgubre olha de través.
Através
da grade magra
os fios elétricos da idéia férrea -
colchão de penas.
Apenas
as pernas
das estrelas ascendentes
apóiam nele facilmente os pés.

Mas o destroçar dos faróis,
reis
na coroa de gás,
se faz
mais doloroso aos
buquês hostis das prostitutas do trotoar.

No ar
o troar
do riso-espinho dos motejos -
das venenosas
rosas
amarelas se propaga
em zig-zag.

Agrada olhar de
trás do alarde
e do medo:
ao escravo
das cruzes
quieto-sofrido-indiferentes,
e ao esquife
das casas
suspeitas
o oriente
deita no mesmo vaso em cinza e brasas.

1912 -Tradução : Augusto de Campos e Boris Schnaiderman. Tempo Brasileiro, 1967, pp. 47-8

A Verdade Simples

Toni Platão / Flávio Murrah

Cem léguas de milhas ao redor
encontro as lembranças de ninguém
a morte, a sorte são fortes
ressurgem no ninho e vivem
são tão livres
podes vir também
são tão livres
a sombra de sonhos ao vento
nos traz a fortuna de alguém
que em close minh'alma decifrou
a leitura dos dias que vierem
são tão simples
deves vir também
são tão simples
insiste o tempo, a vida
insípido tempo habita
a face
a base
séquito verás
cem léguas de milhas ao redor
encontro as lembranças de ninguém
a sorte e a morte são fortes
ressurgem no ninho e vivem
são tão livres
deves vir também
são tão livres
na sombra de sonhos apegou
a paz e a lisura de alguém
que em close minh'alma decifrou
a leitura dos dias que vierem
são mais simples
deves ir também
são mais simples
insiste o tempo, a vida
insípido tempo habita
a face
a base
séquito verás

Filososfia

Noel Rosa

O mundo me condena,
e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber
se eu vou morrer de sede
Ou se eu vou morrer de fome
Mas a filosofia hoje me auxilia
a viver indiferente assim
Nessa prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
pra ninguém zombar de mim.
Não me incomodo que você me diga
que a sociedade é minha inimiga
Pois, vivendo nesse mundo,
vivo escrava do meu samba.
Muito embora vagabundo.
Quanto a você da aristocracia
que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente
sendo escravo dessa gente
que cultiva hipocrisia.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Minha Rede

Bernardo Guimarães

Minha rede preguiçosa,
Amorosa,
Em teu seio me embalança;
Quero ter nos ceus risonhos
Doces sonhos
De ventura e de esperança.

Neste languido desleixo
Correr deixo
Minha vida descuidosa,
Contemplando alli defronte
No horizonte
Uma nuvem côr de rosa.

Pelo vão dessa janella,
Pura e bella,
Eu a vejo deslisar;
Pelo campo ethereo voga
Qual piroga
Cortando o ceruleo mar.

Linda nuvem, quem me dera
Pela esphera
Em teus hombros ir boiando,
E pairando sobre os montes,
Horizontes
Infinitos devassando!

Balada Do Amor Que Não Veio

J.G.de Araújo Jorge

Se acaso penso em ti, me inquieta o pensamento...
Por que havias de vir assim tarde demais?
Bem que eu tinha de há muito um cruel pressentimento,
-- e há sempre um desespero em nós, se num momento
desejamos voltar a vida para trás...

Neste instante imagino o que teria sido
o meu vago destino desorientado,
se antes, eu já te houvesse um dia conhecido,
a esse tempo, meu Deus!... -- e esse tempo perdido
pudesse ao teu convívio ter aproveitado!

Não há nada entre nós, nada... e em verdade há a vida
que nos chama e nos prende!... E já agora imagino
que aqui estas ao meu lado a ouvir-me comovida
e me entregas a mão, -- e entrego-te vencida
a minha alma, -- e com ela todo o meu destino!

Não há nada entre nós, -- mas se nos encontramos
ouvirás de hoje em diante um poema onde tu fores,
-- trouxemos o destino estranho de dois ramos,
separados, -- que importa? ainda assim nos juntamos
confundindo as ramagens, misturando as flores...

E eu nem te vi direito! Um olhar sob um véu,
(há qualquer coisa estranha num olhar velado...)
-- um olhar, -- não direi que em teu olhar há um céu,
quando sei que afinal há tanta angustia e fel
em tudo o que me tens da vida revelado!

Acompanhei-te o vulto um segundo, alguns passos,
nada mais, e no entanto, se quiser pensar
sou capaz de te ver, ( há gestos nos espaços,
e guardei a visão dos teus braços, -- teus braços
guardei-os, como dois clarões dentro do olhar!)

E devem ser macias as tuas mãos, -- não ouso
pensar no que elas guardem nos seus finos dedos,
-- pensando em tuas mãos, penso em sombra, em
repouso,
num lugar quieto e bom, e num vento amoroso
a soprar entre as folhas múrmuros segredos...

Mas... que saibas perdoar estas coisas que escrevo,
pensei-as a escutar distante a tua voz,
e há algumas coisas mais, que a dizer não me atrevo,
é que escrevo demais, e não posso, e não devo,
e não tenho o direito de falar de nós...

sábado, 21 de agosto de 2010

Poesia Por Acaso

Clarice Pacheco

Sem inspiração
estou agora.
Tento atiçar a imaginação
mas ela demora.
Não consigo pensar em algo
que faça rimas.
É como querer acertar o alvo
com a flecha apontada para cima.
Não acho um bom assunto
que se organize bem em versos.
Mesmo sabendo que no mundo
há mil assuntos diversos.
Que coisa chata,
não consigo imaginar.
Isso quase me mata,
porque é horrível não poder pensar.

Mas espere um momento,
mesmo não tendo um tema,
se estas frases vou relendo,
vejo que é um poema!

Poema Em Linha Reta

Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Autopsicografia

Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Estrela Da Manhã

Manoel Bandeira

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Uns Dias

Herbert Vianna

O expresso do oriente
Rasga a noite, passa rente
E leva tanta gente
Que eu até perdi a conta
E nem te contei uma novidade, quente
Eu nem te contei
Eu tive fora uns dias
Numa onda diferente
E provei tantas frutas
Que te deixariam tonta
Eu nem te falei
Da vertigem que se sente
Eu nem te falei
Que te procurei
Pra me confessar
Eu chorava de amor
E não porque eu sofria
Mas você chegou já era dia
Eu não tava sozinha
Eu tive fora uns dias
Eu te odiei uns dias
Eu quis te matar.

Pra Você Que Chora

Edu Lobo

Pra você que chora
E sofre há tanto tempo, amor
Vou contar baixinho
Um sonho que nasce de nós dois
Um sonho lindo de nós dois
Você vai ver
Ah, você vai ver
Surgir de nós
Um rei que vai ser
Ser bem mais que nós
Ser o que não pude ser
Enxugue os olhos
Não chore mais, meu triste amor
Pois que desse abraço
É um rei que vai nascer
É um rei, que outra vida vai trazer
Você vai ver
Ah, você vai ver
Surgir de nós
Um rei que vai
Ser bem mais que nós
Ser o que não pude ser