Alphonsus de Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Poesias Escondidas
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Fome Come
Paulo Tatit
Gente tô ficando impaciente
Minha fome é persistente
Come frio, come quente,
come o que vê pela frente.
Come a língua, come o dente,
Qualquer coisa que alimente.
A fome come simplesmente,
Come tudo no ambiente.
Tudo que seja atraente,
é uma fome absorvente,
come e nunca é suficiente.
Toda fome é tão carente,
come o amor que a gente sente.
A fome come eternamente,
no passado e no presente.
A fome é sempre descontente.
Fome come, fome come.
Se vem de fora (ela devora, ela devora, ela devora)
(Qualquer coisa que alimente)
Se for cultura (ela tritura, ela tritura)
Se o que vem é uma cantiga (ela mastiga, ela mastiga.)
Ela então nunca descute (só deglute, só deglute)
E se for conversa mole (se for mole ela engole)
Se faz falto no abdomê
(fome come, fome come)
(Gente tô ficando impaciente)
(a fome é sempre descontente)
(Toda fome é tão carente)
(Qualquer coisa que alimente)
(Come o amor que a gente sente)
(Come o amor que a gente sente)
Gento tô ficando impaciente
Minha fome é persistente
Come frio, come quente,
come o que vê pela frente.
Come a língua, come o dente,
Qualquer coisa que alimente.
A fome come simplesmente,
Come tudo no ambiente.
Tudo que seja atraente,
é uma fome absorvente,
come e nunca é suficiente.
Toda fome é tão carente,
come o amor que a gente sente.
A fome come eternamente,
no passado e no presente.
A fome é sempre descontente.
Fome come, fome come.
Se vem de fora (ela devora, ela devora, ela devora)
(Qualquer coisa que alimente)
Se for cultura (ela tritura, ela tritura)
Se o que vem é uma cantiga (ela mastiga, ela mastiga.)
Ela então nunca descute (só deglute, só deglute)
E se for conversa mole (se for mole ela engole)
Se faz falto no abdomê
(fome come, fome come).
Gente tô ficando impaciente
Minha fome é persistente
Come frio, come quente,
come o que vê pela frente.
Come a língua, come o dente,
Qualquer coisa que alimente.
A fome come simplesmente,
Come tudo no ambiente.
Tudo que seja atraente,
é uma fome absorvente,
come e nunca é suficiente.
Toda fome é tão carente,
come o amor que a gente sente.
A fome come eternamente,
no passado e no presente.
A fome é sempre descontente.
Fome come, fome come.
Se vem de fora (ela devora, ela devora, ela devora)
(Qualquer coisa que alimente)
Se for cultura (ela tritura, ela tritura)
Se o que vem é uma cantiga (ela mastiga, ela mastiga.)
Ela então nunca descute (só deglute, só deglute)
E se for conversa mole (se for mole ela engole)
Se faz falto no abdomê
(fome come, fome come)
(Gente tô ficando impaciente)
(a fome é sempre descontente)
(Toda fome é tão carente)
(Qualquer coisa que alimente)
(Come o amor que a gente sente)
(Come o amor que a gente sente)
Gento tô ficando impaciente
Minha fome é persistente
Come frio, come quente,
come o que vê pela frente.
Come a língua, come o dente,
Qualquer coisa que alimente.
A fome come simplesmente,
Come tudo no ambiente.
Tudo que seja atraente,
é uma fome absorvente,
come e nunca é suficiente.
Toda fome é tão carente,
come o amor que a gente sente.
A fome come eternamente,
no passado e no presente.
A fome é sempre descontente.
Fome come, fome come.
Se vem de fora (ela devora, ela devora, ela devora)
(Qualquer coisa que alimente)
Se for cultura (ela tritura, ela tritura)
Se o que vem é uma cantiga (ela mastiga, ela mastiga.)
Ela então nunca descute (só deglute, só deglute)
E se for conversa mole (se for mole ela engole)
Se faz falto no abdomê
(fome come, fome come).
Mente, Mente
Robinson Borba
Por favor chegue cedo
E abra a porta devagar
Devagar, devagar
Cante uma canção lenta
Lenta, lenta, lenta, lenta
Ou ligue o rádio baixo
Baixo, baixo, baixo, baixo...
Deite ao meu lado calmamente
Mente, mente, mente, mente
E me aperte furiosamente
Mente, mente, mente, mente
E me deixe alto, alto, alto...
Daí eu te prometo
Prometo sim
Te deixar
Mole, mole, mole...
Por favor chegue cedo
E abra a porta devagar
Devagar, devagar
Cante uma canção lenta
Lenta, lenta, lenta, lenta
Ou ligue o rádio baixo
Baixo, baixo, baixo, baixo...
Deite ao meu lado calmamente
Mente, mente, mente, mente
E me aperte furiosamente
Mente, mente, mente, mente
E me deixe alto, alto, alto...
Daí eu te prometo
Prometo sim
Te deixar
Mole, mole, mole...
Lábios Que Eu Beijei
J.Cascata / Leonel Azevedo
Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Numa noite de luar, assim,
O mar na solidão bramia
E o vento a soluçar, pedia
Que fosses sincera para mim.
Nada tu ouviste
E logo que partiste
Para os braços de outro amor.
Eu fiquei chorando
Minha mágoa cantando
Sou estátua perenal da dor.
Passo os dias soluçando com meu pinho
Carpindo a minha dor, sozinho
Sem esperanças de vê-la jamais
Deus tem compaixão deste infeliz
Porque sofrer assim
Compadei-vos dos meus ais.
Tua imagem permanece imaculada
Em minha retina cansada
De chorar por teu amor.
Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Numa noite de luar, assim,
O mar na solidão bramia
E o vento a soluçar, pedia
Que fosses sincera para mim.
Nada tu ouviste
E logo que partiste
Para os braços de outro amor.
Eu fiquei chorando
Minha mágoa cantando
Sou estátua perenal da dor.
Passo os dias soluçando com meu pinho
Carpindo a minha dor, sozinho
Sem esperanças de vê-la jamais
Deus tem compaixão deste infeliz
Porque sofrer assim
Compadei-vos dos meus ais.
Tua imagem permanece imaculada
Em minha retina cansada
De chorar por teu amor.
Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Terra Negra
Henriqueta Lisboa
Numa terra negra
que mal acredito,
num planeta alheio
a este céu tão lúcido,
num planeta fora
de todas as órbitas,
a horas que não ousam
fixar os relógios,
se derramam lívidas
torrentes de sangue
para o bom cultivo
de jardins recônditos.
A flora macabra
com legados de honra
precisa de sangue
para alimentar-se!
Dálias e papoulas
de um parque vindouro
surgirão do solo
para que outros seres
- chegado o seu turno -
calados pereçam.
Mais sangue, mais seiva
para a terra negra!
A festa é de púrpura?
Quereis sangue rubro?
Tomai-o dos poetas
que se retemperam,
as liras ao fogo.
Quereis sangue claro
de nascente rosa?
Tomai-o das crianças,
tomai-o das jovens
mulheres redondas
que exibem segredos
de felicidade.
Sangüíneas inéditas
de várias espécies!
Um dia que eu vejo
em futuro próximo
romperá o sol
sufocando a terra
negra, negra terra,
babujando-a com
lodosos, espessos
vômitos de sangue.
Numa terra negra
que mal acredito,
num planeta alheio
a este céu tão lúcido,
num planeta fora
de todas as órbitas,
a horas que não ousam
fixar os relógios,
se derramam lívidas
torrentes de sangue
para o bom cultivo
de jardins recônditos.
A flora macabra
com legados de honra
precisa de sangue
para alimentar-se!
Dálias e papoulas
de um parque vindouro
surgirão do solo
para que outros seres
- chegado o seu turno -
calados pereçam.
Mais sangue, mais seiva
para a terra negra!
A festa é de púrpura?
Quereis sangue rubro?
Tomai-o dos poetas
que se retemperam,
as liras ao fogo.
Quereis sangue claro
de nascente rosa?
Tomai-o das crianças,
tomai-o das jovens
mulheres redondas
que exibem segredos
de felicidade.
Sangüíneas inéditas
de várias espécies!
Um dia que eu vejo
em futuro próximo
romperá o sol
sufocando a terra
negra, negra terra,
babujando-a com
lodosos, espessos
vômitos de sangue.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Auto-Retrato
Antonio Miranda
Às vezes sou um, às vezes sou outro:
Todo mundo é assim, ou é assado.
Eu, sem fugir à regra, transgredi.
Fui, ao mesmo tempo, eu e o outro
- um para dentro, outro para os outros
Mas, confesso, sou igual a todos
Num disfarce que é a outra face
De uma falsa dicotomia.
Nem religioso eu sou, nem romântico,
Muito menos ideólogo ou assumido
De qualquer coisa, na minha infidelidade,
Falta de fé. E, no entanto, obstinado
Quase otimista porque realista
- na reversão da contradição.
Sou um pouco o Orlando de Virginia Woolf
O Patinho Feio disfarçado de Dorian Gray.
Li uma montanha inexpugnável de livros
Tentei reescrevê-los, sem qualquer humildade
Subi, letra a letra, degraus estonteantes
Delirantes, construindo arquiteturas etéreas
No circulo vicioso das virtualidade banais.
Deveria rasgar todas as frases deletérias
Todas as imprecações, todas as contrafações
Verbais e veniais que produzi – lixo execrável.
Deveria envergonhar-me de minha falsa polidez
De minha insensatez, minhas impropriedades
Mas sempre tenho a firmeza dos inseguros
Enquanto os crédulos, os convictos
Não resistem às próprias contradições.
Transgredi mas, juro, apenas verbalmente.
No mais, sou casto na minha perversidade.
Sou beato na minha mais intima heresia.
E mais desprentensioso do que a minha soberba.
Quero dizer: no fundo sou inseguro e fiel
A princípios de que nem participo.
Deu para entender? Nem Deus pressente
Aquela dor que finjo que deveras sinto
Ao plagiar aquele poeta que nem mesmo venero.
Às vezes sou um, às vezes sou outro:
Todo mundo é assim, ou é assado.
Eu, sem fugir à regra, transgredi.
Fui, ao mesmo tempo, eu e o outro
- um para dentro, outro para os outros
Mas, confesso, sou igual a todos
Num disfarce que é a outra face
De uma falsa dicotomia.
Nem religioso eu sou, nem romântico,
Muito menos ideólogo ou assumido
De qualquer coisa, na minha infidelidade,
Falta de fé. E, no entanto, obstinado
Quase otimista porque realista
- na reversão da contradição.
Sou um pouco o Orlando de Virginia Woolf
O Patinho Feio disfarçado de Dorian Gray.
Li uma montanha inexpugnável de livros
Tentei reescrevê-los, sem qualquer humildade
Subi, letra a letra, degraus estonteantes
Delirantes, construindo arquiteturas etéreas
No circulo vicioso das virtualidade banais.
Deveria rasgar todas as frases deletérias
Todas as imprecações, todas as contrafações
Verbais e veniais que produzi – lixo execrável.
Deveria envergonhar-me de minha falsa polidez
De minha insensatez, minhas impropriedades
Mas sempre tenho a firmeza dos inseguros
Enquanto os crédulos, os convictos
Não resistem às próprias contradições.
Transgredi mas, juro, apenas verbalmente.
No mais, sou casto na minha perversidade.
Sou beato na minha mais intima heresia.
E mais desprentensioso do que a minha soberba.
Quero dizer: no fundo sou inseguro e fiel
A princípios de que nem participo.
Deu para entender? Nem Deus pressente
Aquela dor que finjo que deveras sinto
Ao plagiar aquele poeta que nem mesmo venero.
Brasil, Brasis
Antonio Miranda
O Brasil que eu vejo se imagina
Diferente em seus ínclitos fervores
Mas que é, nas entranhas férteis
- horrores! – miragens e estertores.
Um Brasil que se dá negando
Seus favores. Palavras vazias,
Luzidias, ostentando insígnias
Na imensidão insólita
Voraz. Continental. Etc. e tal.
De paredes alcalinas,
Ou de pedras de alcantaria;
Dormentes pungentes,
Vociferando seus rancores.
Seus amores.
Brasil que se sabe imperfeito
Em sua completeza,
Natureza falaz.
(...)
A Pátria dói nas entrelinhas!
(...)
Patria que se derrama pelos esgotos,
Pelos escombros, como escambo,
Favores e escárnio. Raios!
(...)
O Brasil que se mostra não é
O que é, mesmo que verdadeiro.
(...)
O Brasil é uma nota de rodapé.
Terra dos papagaios,
Pára-raios, parabólicas,
Das multidões distraídas,
Sefreguidões.
Mas a gente ainda chega lá.
O Brasil que a gente sonha
Tem contornos de mulher,
Tem ancas, bumbum, potrancas,
Duas polegadas a mais.
(...)
Todos os brasis no relicário,
Todos os brasões, armários,
Virgens, salafrários,
Não obstante os altares profanos,
Os terreiros, a jaca de aroma
Afrodisíaco. Tudo ou nada.
(...)
O Brasil é um ponto de exclamação,
Extrema-unção,
Salve-se quem puder!
(...)
Do Brasil que historiamos
Saem heróis e estatuas eqüestres.
Inconfidentes, videntes,
Vedetes. Santos barrocos,
Piás, jangadeiros,
Campeões de formula um.
(...)
Porque o Brasil é muitas vezes,
É muito mais, é isso aí,
É aquele abraço,
É o jeito e trejeito,
É a hóstia e o despacho.
(...)
Mãe gentil,
Teu filho pródigo,
Teu amante endividado,
Tua razão e o nosso ser,
Hipotecado de amor,
E de esperança.
Brasil.
O Brasil que eu vejo se imagina
Diferente em seus ínclitos fervores
Mas que é, nas entranhas férteis
- horrores! – miragens e estertores.
Um Brasil que se dá negando
Seus favores. Palavras vazias,
Luzidias, ostentando insígnias
Na imensidão insólita
Voraz. Continental. Etc. e tal.
De paredes alcalinas,
Ou de pedras de alcantaria;
Dormentes pungentes,
Vociferando seus rancores.
Seus amores.
Brasil que se sabe imperfeito
Em sua completeza,
Natureza falaz.
(...)
A Pátria dói nas entrelinhas!
(...)
Patria que se derrama pelos esgotos,
Pelos escombros, como escambo,
Favores e escárnio. Raios!
(...)
O Brasil que se mostra não é
O que é, mesmo que verdadeiro.
(...)
O Brasil é uma nota de rodapé.
Terra dos papagaios,
Pára-raios, parabólicas,
Das multidões distraídas,
Sefreguidões.
Mas a gente ainda chega lá.
O Brasil que a gente sonha
Tem contornos de mulher,
Tem ancas, bumbum, potrancas,
Duas polegadas a mais.
(...)
Todos os brasis no relicário,
Todos os brasões, armários,
Virgens, salafrários,
Não obstante os altares profanos,
Os terreiros, a jaca de aroma
Afrodisíaco. Tudo ou nada.
(...)
O Brasil é um ponto de exclamação,
Extrema-unção,
Salve-se quem puder!
(...)
Do Brasil que historiamos
Saem heróis e estatuas eqüestres.
Inconfidentes, videntes,
Vedetes. Santos barrocos,
Piás, jangadeiros,
Campeões de formula um.
(...)
Porque o Brasil é muitas vezes,
É muito mais, é isso aí,
É aquele abraço,
É o jeito e trejeito,
É a hóstia e o despacho.
(...)
Mãe gentil,
Teu filho pródigo,
Teu amante endividado,
Tua razão e o nosso ser,
Hipotecado de amor,
E de esperança.
Brasil.
Tenho Tanto Sentimento
Fernando Pessoa
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
domingo, 27 de setembro de 2009
Temor
Junqueira Freire
Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olhe que a terra
Não sinta o nosso peso.
Deitemo-nos aqui. Abre-me os braços.
Escondamo-nos um no seio do outro.
Não há de assim nos avistar a morte,
Ou morreremos juntos.
Não fales muito. Uma palavra basta
Murmurada, em segredo, ao pé do ouvido.
Nada, nada de voz, - nem um suspiro,
Nem um arfar mais forte.
Fala-me só com o revolver dos olhos.
Tenho-me afeito à inteligência deles.
Deixa-me os lábios teus, rubros de encanto.
Somente pra os meus beijos.
Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olha que a terra
Não sinta o nosso peso
Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olhe que a terra
Não sinta o nosso peso.
Deitemo-nos aqui. Abre-me os braços.
Escondamo-nos um no seio do outro.
Não há de assim nos avistar a morte,
Ou morreremos juntos.
Não fales muito. Uma palavra basta
Murmurada, em segredo, ao pé do ouvido.
Nada, nada de voz, - nem um suspiro,
Nem um arfar mais forte.
Fala-me só com o revolver dos olhos.
Tenho-me afeito à inteligência deles.
Deixa-me os lábios teus, rubros de encanto.
Somente pra os meus beijos.
Ao gozo, ao gozo, amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olha que a terra
Não sinta o nosso peso
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Uma Estadia No Inferno
Rimbaud
Antigamente, se bem me lembro, a minha vida era um festim, onde se abriam todos os corações, corriam todos os vinhos. Uma noite, sentei a Beleza no meu colo. - E a achei amarga. - E a xinguei.
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó bruxas, ó miséria, ó ódio, meu tesouro foi confiado a vocês!
Consegui apagar do meu espírito toda a esperança humana. Para estrangular toda alegria, dei o bote surdo da fera.
Chamei os carrascos para, morrendo, morder a coronha de seus fuzis. Chamei os flagelos para sufocar-me com a areia, o sangue. A desgraça foi meu Deus. Deitei na lama. Sequei no ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera me trouxe o medonho riso do idiota.
E ultimamente, estando quase ao ponto de dar a minha última nota falsa!, pensei procurar a chave do antigo festim, onde reencontrarei talvez o apetite.
A caridade é esta chave. - Esta inspiração prova que sonhei.
"Você continuará hiena, etc...", exclama o demônio que me coroou com tão amáveis papoulas. "Ganhe a morte com todos teus apetites, e teu egoísmo e todos os pecados capitais."
Ah! peguei disto demais: - Mas, meu caro Satanás, vos conjuro, uma pupila menos irritada! e aguardando algumas pequenas covardias atrasadas, vós que amais no escritor a ausência das faculdades descritivas ou instrutivas, vos destaco estas horrendas folhas do meu carnê de danado
Antigamente, se bem me lembro, a minha vida era um festim, onde se abriam todos os corações, corriam todos os vinhos. Uma noite, sentei a Beleza no meu colo. - E a achei amarga. - E a xinguei.
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó bruxas, ó miséria, ó ódio, meu tesouro foi confiado a vocês!
Consegui apagar do meu espírito toda a esperança humana. Para estrangular toda alegria, dei o bote surdo da fera.
Chamei os carrascos para, morrendo, morder a coronha de seus fuzis. Chamei os flagelos para sufocar-me com a areia, o sangue. A desgraça foi meu Deus. Deitei na lama. Sequei no ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera me trouxe o medonho riso do idiota.
E ultimamente, estando quase ao ponto de dar a minha última nota falsa!, pensei procurar a chave do antigo festim, onde reencontrarei talvez o apetite.
A caridade é esta chave. - Esta inspiração prova que sonhei.
"Você continuará hiena, etc...", exclama o demônio que me coroou com tão amáveis papoulas. "Ganhe a morte com todos teus apetites, e teu egoísmo e todos os pecados capitais."
Ah! peguei disto demais: - Mas, meu caro Satanás, vos conjuro, uma pupila menos irritada! e aguardando algumas pequenas covardias atrasadas, vós que amais no escritor a ausência das faculdades descritivas ou instrutivas, vos destaco estas horrendas folhas do meu carnê de danado
Vênus Anadiómena
Rimbaud
Como de um caixão verde de lata, uma cabeça
De mulher de cabelos morenos e muita pomada
De uma velha banheira emerge, lenta e avessa,
Com seus déficits mal refeitos de uma garibada;
Vem depois o pescoço gordo e cinza, as largas omoplatas
Que sobressaem, as costas curtas que entram e saem;
E as redondezas dos rins querem saltar mas caem;
A gordura sob a pele aparece em folhas chatas;
A coluna é um pouco vermelha, e o todo tem um gosto
Horrível estranhamente; repara-se sobreposto
Algo singular que é preciso enxergar com lupa...
Os rins levam dois nomes gravados: CLARA VÊNUS;
— E este corpo todo mexe sua larga garupa
Bela horrendamente de uma chaga no ânus.
27 de julho 1870.
Como de um caixão verde de lata, uma cabeça
De mulher de cabelos morenos e muita pomada
De uma velha banheira emerge, lenta e avessa,
Com seus déficits mal refeitos de uma garibada;
Vem depois o pescoço gordo e cinza, as largas omoplatas
Que sobressaem, as costas curtas que entram e saem;
E as redondezas dos rins querem saltar mas caem;
A gordura sob a pele aparece em folhas chatas;
A coluna é um pouco vermelha, e o todo tem um gosto
Horrível estranhamente; repara-se sobreposto
Algo singular que é preciso enxergar com lupa...
Os rins levam dois nomes gravados: CLARA VÊNUS;
— E este corpo todo mexe sua larga garupa
Bela horrendamente de uma chaga no ânus.
27 de julho 1870.
Rio
Roberto Menescal / Ronaldo Bôscoli
Rio que mora no mar
Sorrio pro meu Rio
Que tem no seu mar
Lindas flores que nascem morenas
em jardins de sal!
Rio - serras de veludo
Sorrio pro meu Rio
Que sorri de tudo
Que é dourado quase todo dia
E alegre como a luz!
Rio é mar
É terno se fazer amar
O meu Rio é lua
Amiga branca e nua
É sol, é sal, é sul
São mãos se descobrindo
Em tanto azul!
Por isso que meu Rio
Da mulher beleza
Acaba num instante
Com qualquer tristeza
Meu Rio que não dorme
Porque não se cansa
Meu Rio que balança
Sorrio, sorrio, sorrio...
Rio - serras de veludo...
Rio que mora no mar
Sorrio pro meu Rio
Que tem no seu mar
Lindas flores que nascem morenas
em jardins de sal!
Rio - serras de veludo
Sorrio pro meu Rio
Que sorri de tudo
Que é dourado quase todo dia
E alegre como a luz!
Rio é mar
É terno se fazer amar
O meu Rio é lua
Amiga branca e nua
É sol, é sal, é sul
São mãos se descobrindo
Em tanto azul!
Por isso que meu Rio
Da mulher beleza
Acaba num instante
Com qualquer tristeza
Meu Rio que não dorme
Porque não se cansa
Meu Rio que balança
Sorrio, sorrio, sorrio...
Rio - serras de veludo...
Tristes Trópicos
Itamar Assumpção
O trópico tropica
Emaranhado no trambique
A treta frutifica
E tritura todo o pique
A trapaça trina e troa
E extrapola cada dique
O tratado é intrincado
Destratado é truque chique
O grito atravancado
Tranca até que eu petrifique
Tristes gregos e troianos
Desbragado piquenique
O trópico tropica
Emaranhado no trambique
A treta frutifica
E tritura todo o pique
A trapaça trina e troa
E extrapola cada dique
O tratado é intrincado
Destratado é truque chique
O grito atravancado
Tranca até que eu petrifique
Tristes gregos e troianos
Desbragado piquenique
A Noite Do Meu Bem
Dolores Duran
Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
Quero a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero a paz de criança dormindo
Quero o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero a ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Mas como este bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda ternura que eu quero lhe dar
Hoje eu quero a rosa mais linda que houver
Quero a primeira estrela que vier
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero a paz de criança dormindo
Quero o abandono de flores se abrindo
Para enfeitar a noite do meu bem
Quero a alegria de um barco voltando
Quero a ternura de mãos se encontrando
Para enfeitar a noite do meu bem
Hoje eu quero o amor, o amor mais profundo
Eu quero toda beleza do mundo
Para enfeitar a noite do meu bem
Mas como este bem demorou a chegar
Eu já nem sei se terei no olhar
Toda ternura que eu quero lhe dar
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Lá Em Mangueira
Herivelto Martins
Lá em Mangueira
Aprendi a sapatear
Lá em Mangueira
É que o samba tem seu lugar
Foi lá no morro
Um luar e um barracão
Lá eu gostei de alguém
Que me tratou bem
Eu dei meu coração
No morro a gente
leva a vida que quer
No morro a gente
gosta de uma mulher
E quando a gente
deixa o morro e vai embora
Quase sempre chora
Chora, chora
Lá em Mangueira
Aprendi a sapatear
Lá em Mangueira
É que o samba tem seu lugar
Foi lá no morro
Um luar e um barracão
Lá eu gostei de alguém
Que me tratou bem
Eu dei meu coração
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
Batuqueiro
Ná Ozzetti / Luiz Tatit
Quanta previsão
a melodia faz
quantas intenções
ela anuncia
nos primeiros tons
bate o desejo
mal nos traz paz
já é nostalgia
quanta sensação
da bossa nova e jazz
quanta precisão
e improviso
vem alguém e diz
que é feliz
e não sabia
é que demorou
pra encontrar
a melodia
quanta vibração
pra um batuqueiro só
quantos corações
ele agita
com os primeiros dons
bate um pandeiro
mal coloca a voz
ganha o mundo inteiro
do sertão ao Rio
sobe o litoral
ganha algumas ilhas
do Caribe
chega a Montreal
atravessa o mar
cai em Portugal
passa por Berlim
Moscou ou Pequim
Ásia Oriental
olha o barulhão
que um batuqueiro faz
olha os corações
como palpitam
bate no ton-ton
feito um pandeiro
sabe desfilar
para um mundo inteiro.
Quanta previsão
a melodia faz
quantas intenções
ela anuncia
nos primeiros tons
bate o desejo
mal nos traz paz
já é nostalgia
quanta sensação
da bossa nova e jazz
quanta precisão
e improviso
vem alguém e diz
que é feliz
e não sabia
é que demorou
pra encontrar
a melodia
quanta vibração
pra um batuqueiro só
quantos corações
ele agita
com os primeiros dons
bate um pandeiro
mal coloca a voz
ganha o mundo inteiro
do sertão ao Rio
sobe o litoral
ganha algumas ilhas
do Caribe
chega a Montreal
atravessa o mar
cai em Portugal
passa por Berlim
Moscou ou Pequim
Ásia Oriental
olha o barulhão
que um batuqueiro faz
olha os corações
como palpitam
bate no ton-ton
feito um pandeiro
sabe desfilar
para um mundo inteiro.
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