Lucretia Davidson
I
Foi poeta: cantou, e o estro em fogo
Crestou-lhe o peito, devorou seus dias
E a febre ardente desbotou-lhe a fronte
Em dores sós, em delirar insano.
Foi poeta: cantou, sonhou: a vida
Canto e sonhos lhe foi. Amor e glória
Com asas brancas viu sorrindo em vôos.
Foi-lhe vida sonhar: e ardentes sonhos
A fronte lhe acenderam, lhe estrelaram
Mágico da existência o firmamento.
Cantou, sonhou—amou:: cantos e sonhos
Em amor converteu-os. De joelhos
Em fundo enlevo ele esperou baixasse
Alguma luz do céu, que amor dissesse—
Anjo ou mulher! embora que ele a amara
C'o fogo queimador que o consumia
Com o amor de poeta que o matava!
Anjo ou mulher—embora! e em longas preces
Noite e dia o esperou—Mísero! Embalde!
Sonhou—amou—cantou: em loucos versos
Evaporou a vida absorta em sonhos—
E debalde! ninguém chorou-lhe os prantos
Que sobre as mortas ilusões já findas
Pálido derramara—
Amou! E um peito
Junto ao seu não ouviu bater consoante
C'os amores do seu! Ninguém amou-o
E nem as mágoas lhe afogou num beijo! —
E morreu sem amor.—Bateu-lhe embalde
O pobre coração em loucas ânsias.
Passou ignoto, solitário e triste
Entre os anjos do amor, só viu-lhe risos
Em braços doutros—e invejosa mágoa
Essa alheia ventura só lhe trouxe.
Nunca a mão dele de uma fronte branca
A alva coroa fez cair da virgem—
Jovem, solteiro, sem consórcio d'alma
Entre as rosas da vida—mas nenhuma
Nem deu-lhe um riso—nem do moço pálido
No imo d'alma guardou uma saudade!
Mas se à terra saudades não deixara
Não levou-as também—do peito o orgulho
Que ninguém quis amar, ninguém amou.
—Foi-lhe quimera o amor, não mais lembrou-o,
Tentou-o ao menos. —E que importa um morto?
Doido é quem geme em lagrimar estéril—
Quando o luto findou e alegre o baile
Corre entre flores no valsar, quem lembra
O defunto que é podre no jazigo?
—Morrera-lhe o sonhar—por que chorá-lo?
E morreu sem amor! E ele contudo
Tinha no peito tanto amor e vida!
Alma de sonhos, tão ardentes, cheia!
E anelante do amor do peito—em outro
Em horas ternas efundir em beijos!
E às vezes quando a fronte pela febre
Pesada e quente sobre as mãos firmava,
Quando esse delirar febril da insônia
Em vertigens travava de sua alma,
Um negro pensamento lhe passava
Como um fuzil no cérebro fervente,
E pensava dos loucos no delírio,
Na escura treva da vertigem tonta!
Temia—a morte não—mas—a loucura.
INVOCAÇÃO
Variações em todas as cordas
I
Alma de fogo, coração de lavas,
Misterioso Bretão de ardentes sonhos
Minha musa serás—poeta altivo
Das brumas de Albion, fronte acendida
Em túrbido ferver!—a ti portanto,
Errante trovador d'alma sombria,
Do meu poema os delirantes versos!
II
Foste poeta, Byron! a onda uivando
Embalou-te o cismar—e ao som dos ventos
Das selváticas fibras de tua harpa
Exalou-se o rugir entre lamentos!
III
De infrene inspiração a voz ardente
Como o galope do corcel da Ucrânia
Em corrente febril que alaga o peito
A quem não rouba o coração—ao ler-te?
Foste Ariosto no correr dos versos,
Foste Dante no canto tenebroso,
Camões no amor e Tasso na doçura,
Foste poeta, Byron!
Foi-te a imaginação rápida nuvem
Que arrasta o vento no rugir medonho—
Foi-te a alma uma caudal a despenhar-se
Das rochas negras em mugido imenso.
Leste no seio, ao coração, o inferno,
Como teu Manfred desfraldando à noite
O escurecido véu.—E riste, Byron,
Que do mundo o fingir merece apenas
Negro sarcasmo em lábios de poeta.
Foste poeta, Byron!
IV
A ti meu canto pois—cantor das mágoas
De profunda agonia! —a ti meus hinos,
Poeta da tormenta—alma dormida
Ao som do uivar das feras do oceano,
Bardo sublime das Britânias brumas!
1
Foi-te férreo o viver—enigma a todos
Foi o teu coração!
Da fronte no palor fervente em lavas
Um gênio ardente e fundo:
O mundo não te amou e riste dele
—Poeta—o que era-te o mundo?
Foste, Manfred, sonhar nas serras ermas
Entre os tufões da noite—
E em teu Jungfrau—a mão da realidade
As ilusões quebrou-te!
Como um gênio perdido—em rochas negras
Paraste à beira-mar.
Do escuro céu falando às nuvens—solto
O negro manto ao ar!
O mar bramiu-te o hino da borrasca
E em pé—no peito os braços—
O riso irônico—vinha o azul relâmpago
T'esclarecer a espaços.
A fonte nua o rorejar da noite
Frio—te umedecia
E acima o céu—e além o mar te olhava
C'os olhos da ardentia!
2
As volúpias da noite descoraram-te
A fronte enfebrecida
Em vinho e beijos—afogaste em gozo
Os teus sonhos da vida.
E sempre sem amor, vagaste sempre
Pálido Dom João!
Sem alma que entendesse a dor que o peito
Te fizera em vulcão!
3
Da absorta mente os sonhos te quebrava
Do mundo o sussurrar.
E foste livre refazer teu peito
Ao ar livre do mar.
E quando o barco d'alta noite aos ventos
Entre as vagas corria
E d'astro incerto o alvor te prateava
A palidez sombria,
Era-te amor o pleitear das águas
Nos rochedos cavados—
E amargo te franzia um rir de gozo
Os lábios descorados!
E amaste o vendaval, que as folhas trêmulas
Das florestas varria—
E o mar—alto a rugir—que a ouvi-lo, a fronte
Altiva se te erguia!
E amaste negro o céu—o mar—a noite
E entre a noite—o trovão!
Num crânio zombador brindaste aos mortos.
Cantor da destruição
4
E um dia as faces desbotou-te a morte
De alvor, frio e letal
Deram-te em presa aos vermes—Mas que importa
Se é teu nome imortal?
Se foste sobranceiro na peleja
Como o foras nos cantos—
Se o grego litoral e o mar que o banha
Por ti beberam prantos?
Se do levante as virações correndo
Nos mares orientais
Deram-te nênias no sussurro trêmulo,
Byron, se o nome teu lembra um espírito
Das glórias decaído
E fez-te o coração os teus poemas
De coração perdido,
Se co'a dor de teus hinos simpatizam
Duma alma os turvos imos
E o teu sarcasmo queimador consola
E contigo sorrimos?
5
Vem, pois, poeta amargo da descrença
Meu Lara vagabundo—
E co'a taça na mão e o fel nos lábios
Zombaremos do mundo!